Festa e tradição animam os foliões em São Caetano de Odivelas

Domingo de carnaval (11) parecia dia de futebol. Um a um, os integrantes do time foram chegando à concentração, no quintal de uma casa simples, na Avenida Floriano Peixoto, uma das principais de São Caetano de Odivelas, município do nordeste do Pará. Os homens, na faixa dos 20 anos de idade, esperavam sentados pelo “técnico”. Mas de repente os “jogadores” se transformaram em brincantes do mais tradicional grupo folclórico da cidade, o Boi Tinga. A preparação não era para uma partida de futebol, e sim para o arrastão que tomou conta das ruas em alguns instantes.

Um dos patrimônios da rica cultura popular de São Caetano, o Boi Tinga colore a cidade no carnaval. Com 80 anos de existência, o grupo reúne apaixonados pelas manifestações folclóricas, que trabalham o ano todo para manter viva a cultura local. Na Folia de Momo, os célebres Cabeçudos e Pierrôs, levados pelo Boi-Bumbá, se misturam ao povo numa explosão de ritmos, cores e alegria – tudo sem perder as características originais, que ressaltam a beleza e autenticidade da festa.

“O Boi Tinga foi fundado pelo meu avô, que depois passou o grupo para o meu pai. Hoje sou o coordenador, e meu filho, Felipe, que tem 13 anos, já me acompanha. Ele chama os brincantes sempre que vamos fazer arrastão. Aqui em São Caetano é assim: o folclore é uma coisa de família, está no sangue”, disse o coordenador do Boi Tinga, Lucival Marques. Atento a todos os detalhes, ele inspeciona o momento da vestimenta das fantasias, ritual que lembra a concentração antes do jogo de futebol.

Veterano no “Tinga”, o feirante Antônio José Monteiro, 38 anos, veste a fantasia de Pierrô como quem coloca um manto real. “A gente espera pelo momento de sair nas ruas levando alegria para as pessoas. Levamos o trabalho aqui a sério, porque, para tudo dar certo, temos que ter união. Esses meninos todos vêm para cá em pleno domingo porque têm amor por essa cultura, e isso nos enche de orgulho”, declarou Antônio, que em seguida sumiu debaixo das vestes de palhaço.

O Boi Tinga é levado pela bandinha de fanfarra, que entoa frevos e marchinhas tradicionais. O frenesi é acompanhar de perto o boi. Os brincantes mostram uma coreografia típica, e o povo vai ao delírio. A agricultora Janaína Silva, 30 anos, foi uma das mais animadas no arrastão. “Isso aqui é maravilho! Sempre participo porque não tem festa mais alegre e segura”, afirmou. “Aqui somos todos iguais. Não tem distinção. O boi sai para nos mostrar que devemos amar nossas origens”, completou o pedreiro Ronaldo Souza, 40 anos.

Diversidade – Outro boi que anima a folia de São Caetano é, na verdade, uma vaca. Com cerca de 40 anos de tradição, a Vaca Velha aposta na união da tradição com a festa popular para atrair uma multidão. A mistura vem dando certo. Os 500 abadás colocados à venda para os arrastões foram muito disputados. “A gente mantém o folclore, com o boi, mas abrimos ao brincante que quer ouvir outras músicas, dançar outros ritmos. Afinal, carnaval é isso, é diversidade”, assinalou Ivan Sarmento, coordenador do Vaca Velha.

Na folia de São Caetano há mesmo espaço para todos. Do bloco infantil, que sai da praça da igreja matriz, às festas de aparelhagem que ocupam a orla da cidade com luzes e som, a festa movimenta a cidade. “Aqui a gente brinca de maneira saudável e feliz, quase sempre em família, porque queremos mesmo preservar essas expressões”, disse Lucival Marques. Os bois Faceiro e Búfalo completam os grupos que animam a cidade no carnaval e nas festas juninas.

Memória – Essa identidade forte que o povo de São Caetano exibe fica mais evidente na casa da professora aposentada Felipa dos Santos. Aos 92 anos, exibindo um vestido colorido, ela contou alguns fatos marcantes do carnaval da cidade. Um deles foi a introdução das máscaras, hoje um símbolo da manifestação local. Ao lado do filho Rodolfo Santos, também professor, ela relembrou a época em que esse adereço era feito de cuias, de forma improvisada.

“As pessoas faziam furos nas cuias e estavam prontas as máscaras. Muito tempo depois, já na década de 1940, a família do senhor Chiquinho Rocha, aqui de São Caetano, começou a fazer as máscaras com papel machê. Aí elas foram ficando mais refinadas, e ganharam esse contorno e expressão que têm hoje”, relembrou Felipa dos Santos, que foi professora durante 27 anos. As vestes eram feitas de palha nos anos 1930, quando o carnaval odivelense começou a receber grande influência das folias europeias, como a introdução da figura do Pierrot.

Irmã do pesquisador e escritor Raimundo Rodrigues – autor dos livros “São Caetano, Nossa Terra, Nossa Gente” e “Resenha Histórica” – Felipa hoje vê o carnaval de longe, mas guarda com carinho as lembranças. “Sou de uma época em que mulher não brincava no boi. Só tínhamos permissão de ir para os bailes no salão, fantasiadas. Lá, a mais bela era eleita a rainha”, contou a professora aposentada, que até hoje defende a cultura popular. “Não podemos deixar nossas manifestações se perderem. Os jovens devem levar adiante essa tradição, conhecer mais sobre o próprio lugar de onde vieram”, afirmou.

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