Estudo orienta cirurgiões-dentistas sobre cuidados especiais para pacientes com microcefalia

Diversas disfunções associadas à malformação congênita precisam ser consideradas pelos profissionais durante o tratamento odontológico

O vírus Zika chegou ao Brasil em 2015 e, junto com a epidemia, houve um aumento no número de nascimentos de bebês com microcefalia, especialmente na região Nordeste. Após inúmeras investigações, a causa da microcefalia em fetos e recém-nascidos foi atribuída ao Zika, que passou a ser considerado um problema de saúde pública.

Naquele ano, a cirurgiã-dentista Juliana da Silva Moro, que fazia especialização em odontologia para pacientes especiais, na Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas, decidiu fazer um estudo, no Instituto e Centro de Pesquisas da Instituição, sobre a microcefalia causada pelo vírus, para instruir os profissionais de saúde bucal sobre a assistência odontológica necessária para tratar esses pacientes.

“A microcefalia é uma malformação congênita que pode estar associada a diversas alterações relevantes, como problemas de deglutição e respiração, auditivos e oftalmológicos, epilepsia e comprometimento intelectual, que podem influenciar no atendimento odontológico. E, diante do crescente número de infecções causadas pelo vírus Zika e dos novos casos de crianças nascidas com microcefalia, os cirurgiões-dentistas devem estar preparados para tratar esses pacientes”, explica Juliana da Silva Moro, que elencou os resultados da sua pesquisa, juntamente com Tatiana Marega e Fernanda Urbini Romagnolo, no artigo Microcephaly caused by the Zika vírus: dental care, publicado oficialmente em abril deste ano na RGO .

Para fazer a revisão da literatura, Juliana buscou informações sobre microcefalia causada pelo vírus Zika e as características gerais de pacientes com a malformação nas bases de dados PubMed, Lilacs e Web of Science, e leu relatórios semanais do Ministério da Saúde sobre a epidemia.

O papel do cirurgião-dentista

O estudo recomenda que, na primeira consulta, o cirurgião-dentista faça uma anamnese detalhada, considerando a história médica, as limitações físicas e mentais e a saúde atual do paciente. “Os recém-nascidos com distúrbios neurológicos, como a microcefalia, podem apresentar dificuldades nas habilidades motoras orais e, por isso, o profissional deve instruir os pais sobre aleitamento materno, respiração e deglutição”, enfatiza Juliana da Silva Moro.

A anamnese também é importante para saber quais são os medicamentos de uso contínuo ingeridos pelo paciente. A fenitoína, por exemplo, é usada no tratamento e na prevenção de convulsões, e pode causar hiperplasia gengival – aumento do número de células da gengiva -, que dificulta a mastigação e a higiene bucal. “Pode acontecer alguma interação medicamentosa e esses medicamentos podem influenciar na saúde bucal. O profissional precisa mostrar para a família a importância de levar esse paciente para fazer profilaxia no consultório”, ressalta.

Crianças sem sucção, deglutição e coordenação respiratória, como é o caso daquelas que têm microcefalia, apresentam maior risco de engasgo e aspiração durante a amamentação. “É importante sugerir alternativas para os pais, como o uso de copos, xícaras e a técnica sonda-dedo, além de chamar a atenção para a posição do bebê, para que ele não se engasgue durante o aleitamento”, explica a cirurgiã-dentista.

Ela esclarece que o comportamento da criança também deve direcionar o tipo de consulta realizada pelo profissional. “É importante perceber se ela é tranquila ou nervosa, e fazer consultas mais curtas e silenciosas para evitar o estresse e a fadiga muscular”. O estudo ainda recomenda que o tratamento seja feito em etapas, sempre que possível. Além disso, o profissional deve buscar uma comunicação clara com a criança e compatível com a sua capacidade de compreender.

A orientadora do trabalho de Juliana e co-autora do artigo, Dr. a Tatiane Marega, professora e coordenadora do curso de Especialização em Pacientes com Necessidades Especiais da Faculdade São Leopoldo Mandic, explica que, no caso de pacientes pouco colaborativos, é possível utilizar como alternativa medicações que promovem sedação. “Devemos observar as doses que são recomendadas e as possíveis interações medicamentosas, pois esses pacientes tomam algumas medicações de uso contínuo”, ressalta.  

Segundo Marega, o atendimento do paciente com microcefalia deve, sempre que possível, ser realizado em ambiente ambulatorial, em clínica normal. “O profissional pode utilizar medicações que provocam pequena sedação e aumentam a colaboração do paciente”, afirma a professora.

“Quando não é possível a realização da consulta em ambulatório, o paciente deve ser encaminhado para hospitais onde o tratamento pode ser realizado sob anestesia geral”, complementa.

Microcefalia

A microcefalia é uma malformação congênita em que o cérebro não se desenvolve de maneira adequada. Em 2016, o Ministério da Saúde do Brasil, definiu que, para ser considerada microcefalia, a medida do perímetro cefálico dos recém-nascidos deve ser igual ou inferior a 31,9 centímetros em meninos e igual ou inferior a 31,5 em meninas.

De acordo com o artigo, é uma condição que pode estar associada a outras disfunções, como rigidez e contratura muscular, irritabilidade, problemas de deglutição, convulsões, anormalidades auditivas e oculares, anomalias cerebrais, disfunção do tronco cerebral e calcificação do córtex cerebral.

Além da mensuração da circunferência da cabeça da criança, são realizados testes adicionais para o diagnóstico correto da microcefalia, como exames neurológicos e de imagem e a observação da postura do recém-nascido, dos movimentos espontâneos, reflexo do choro e reflexos primitivos.

Para os pesquisadores do Instituto e Centro de Pesquisas da Faculdade São Leopoldo Mandic, conhecer as disfunções associadas à microcefalia e os principais problemas orais causados por essa condição, é a melhor forma de direcionar o tratamento odontológico dos pacientes.

O vírus Zika

O artigo ainda relata que o vírus Zika, que pode causar a microcefalia, é geralmente transmitido pelo mosquito Aedes aegypti e foi isolado, pela primeira vez, em 1947, no soro de um macaco rhesus, na floresta de Zika, em Uganda. Alguns anos depois, o mesmo vírus também foi identificado na Malásia e outros países asiáticos, mas pouca atenção foi dada aos casos que foram considerados esporádicos.

Em 2007, o vírus ganhou a atenção da comunidade científica por causa de um surto de infecção nos Estados Federados da Micronésia, na Oceania. Depois de seis anos, houve nova epidemia na Polinésia Francesa.

Segundo o estudo, no continente americano, o Zika foi confirmado pela primeira vez no Chile, em 2014, e, no ano seguinte, no Brasil, onde 18 estados – a maioria da região Nordeste – relataram pacientes infectados pelos vírus. Desde então, outros países vizinhos apresentaram casos de infecção, evidenciando a disseminação para a América do Sul, América Central e Caribe. Como resultado, a OMS (Organização Mundial de Saúde) decretou situação de Emergência Internacional de Saúde Pública, direcionando todos os esforços e estudos de pesquisa para a epidemia.

Recentemente, um relatório publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde confirmou que a infecção pelo vírus Zika já atingiu 48 territórios das Américas.

O artigo completo  Microcephaly caused by the Zika vírus: dental care, de Juliana da Silva Moro, Tatiane Marega e Fernanda Urbini Romagnolo, pode ser acessado por meio deste link.

Sobre o Instituto e Centro de Pesquisas São Leopoldo Mandic


O Instituto e Centro de Pesquisas São Leopoldo Mandic, em Campinas, foi constituído em janeiro de 2008, sem fins lucrativos, para realizar pesquisas científicas na área de saúde. Iniciou com pesquisas na área odontológica, expandiu para a área de saúde, além do desenvolvimento de novas tecnologias, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnico-científicos, fomento à capacitação e treinamento de pesquisadores.

Conta com laboratórios de Cultura de Células, Microbiologia, Ensaio de Materiais, Patologia e Imunohistoquímica, Biologia Molecular e Terapia Celular, todos equipados com recursos de última geração. Até dezembro de 2018, foram 981 artigos publicados em revistas científicas indexadas em diferentes bases de dados, como PubMed e Scielo. E o Laboratório de Patologia emitiu, gratuitamente, mais de 24 mil laudos de biópsias provenientes de tecidos da região da cabeça e pescoço, sendo 1.542 de carcinomas e 125 de neoplasias malignas. 

Os recursos financeiros do Instituto e Centro de Pesquisas São Leopoldo Mandic necessários às pesquisas são obtidos por meio de parcerias e convênios, financiamentos de órgãos públicos, contribuição de associados e terceiros e recebimento de patentes. Dentre os principais parceiros, destacam-se CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e CAPES(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

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