E agora, Michel?

Por Saulo Batista


A decisão do TSE que, por 4 votos a 3, rejeitou o pedido de impugnação da chapa Dilma-Temer, contrariando inclusive as expectativas em torno de um pedido de vistas para adiar o julgamento, pode e foi comemorada pelo Planalto e seus aliados como uma grande vitória do presidente.

Uma vitória até certo ponto inesperada. Mesmo entre alguns dos líderes da assim chamada “base aliada”, e até do próprio PMDB, as cada vez menos discretas conversas de bastidores – com foco em temas tais quais a construção de uma candidatura governista para a eventual eleição indireta ou, ainda, a necessidade de sinalizar a continuidade da política econômica com a manutenção do  ministro da Fazenda -, davam conta do quanto o meio político já se preparava para o “pós-Temer”.

Apesar de fortalecido pelo resultado favorável neste julgamento – o que deve ser decisivo, por exemplo, na reunião do PSDB que definirá, em 12 de junho, sua permanência ou não no governo -, Michel Temer ainda terá pela frente o desafio de reagrupar sua base a fim de levar adiante uma agenda de reformas considerada pelo mercado como essencial para a recuperação da economia.

Diante de seus índices de aprovação perigosamente baixos, o presidente tem encontrado nos números que apontam para o arrefecimento da inflação e a retomada da atividade econômica o principal pilar de sustentação do seu mandato.

Considerando a limitação ao crescimento dos gastos governamentais imposta pela Emenda Constitucional nº 95, o que impede a adoção de uma política fiscal que induza o aquecimento da economia às custas do déficit público, hoje mais do que nunca a geração de empregos, o nível da atividade econômica, bem como dos investimentos, depende do estabelecimento de um ambiente de negócios que favoreça e estimule o aporte de recursos privados na economia brasileira.

Temos também que, com o Tesouro pressionado por uma dívida pública em níveis muito acima do que seria razoável e com prazos mais curtos em virtude da perda do “grau de investimento”, a atração do capital privado no Brasil terá de se dar em ambiente de mercado, sem as tão largamente ofertadas facilidades do crédito a juros subsidiados pelo contribuinte.

As dificuldades do governo em ofertar uma percepção de estabilidade e segurança aos investidores serão ainda maiores na medida em que esta decisão pela não impugnação da chapa que o elegeu em 2014 não corresponde a uma “absolvição” do presidente propriamente dita.

Apesar da maioria dos ministros do TSE terem, por questões de natureza processual, se manifestado por não apreciar os crimes atribuídos ao hoje presidente nas delações premiadas celebradas no âmbito da “Operação Lava Jato” – dentre outros, pelos executivos da Odebrecht e da JBS -, estes continuam a ser objeto de inquéritos e podem, em breve, motivar uma denúncia contra Michel Temer a ser apresentada pela Procuradoria Geral da República ao STF.

O fato é que o presidente Temer terá de governar, por mais de um ano e meio se chegar o ao fim de seu mandato, um país a quem ele ainda não foi capaz de apresentar uma explicação razoável e convincente, por exemplo, sobre a conversa gravada e de conteúdo nada republicano que manteve com o empresário Joesley Batista, do grupo JBS.

Esse clima de suspeição – hoje, bastante justificável – enfraquece o presidente e, caso não seja superado, lhe inviabilizará o governo. Será insustentável sua continuidade na presidência caso a sua permanência no cargo seja vista como permanentemente ameaçada pelo risco de uma delação de aliados ou ex-aliados como Eduardo Cunha, Rocha Loures e agora Henrique Eduardo Alves.

As frequentes insinuações sobre a troca do diretor-geral da Polícia Federal, num contexto em que o presidente está sendo investigado, bem como a antecipação do debate sobre a possibilidade da escolha de um novo procurador-geral fora da lista apresentada pela ANPR, alimentam as desconfianças de que o governo busca o controle das instituições e a intimidação dos agentes públicos responsáveis pela condução das investigações.

Na linguagem na qual serão expressas a larga maioria das reações nas ruas e nas redes sociais, tais medidas, aos olhos das massas, serão vistas como “ataques à Lava Jato” e podem ser, caso mantido o rumo, o caminho mais curto para encher as ruas com a maioria silenciosa que, mesmo descontente com o governo, ainda não fez roncar o asfalto contra ele.

Bom para o governo se tiver aprendido com os erros cometidos durante a tramitação da reforma trabalhista quando – ao incluir o fim da contribuição sindical na discussão, desagradando os representantes dos empregados e empregadores -, optou por um confronto desnecessário com potencial de comprometer a aprovação desta proposta cujo foco, do ponto de vista da modernização das relações de trabalho, deveria ser a consolidação da primazia do negociado sobre o legislado, conferindo maior segurança jurídica aos acordos e convenções coletivas.

Se o presidente Temer não conseguir evitar que a agenda do governo seja capturada pelas acusações que pesam contra ele – ou ainda, caso opte por incendiar ainda mais ambiente aderindo a uma pauta de “enfrentamento da Lava Jato” como querem alguns -, perderá as credenciais para estar a frente deste processo de recuperação dos fundamentos da economia que já rende os frutos de uma sensível melhora nas expectativas em relação ao Brasil, pois, mesmo que conclua seu mandato – hipótese tanto mais distante quanto forem as escolhas do governo que acarretem o agravamento da crise política -, poderá estar de tal forma enfraquecido e fragilizado que verá a noção de “governabilidade” cada vez mais deslocada para a equipe econômica, a quem caberá a exercer, de fato, a condução dos rumos do país.

Melhor para o Brasil se o governo voltar a dar centralidade a pontos como a recuperação do equilíbrio fiscal, a profissionalização da gestão das estatais, a reformulação dos critérios e condições para a concessão de crédito público, a construção de um cenário favorável ao investimento e ao empreendedorismo, entre outros temas que entendem-se urgentes num país que precisa enfrentar uma dura realidade de 14 milhões de desempregados. Quanto aos órgãos de investigação e persecução penal, que continuem a exercer suas atribuições constitucionais com toda a liberdade e independência que lhes são garantidas nas democracias modernas.


Especialista em orçamento e políticas públicas, diretor de relações institucionais da Associação Nacional do Transportador e dos Usuários de Estradas, Rodovias e Ferrovias (ANTUERF) e secretário-executivo da União Geral dos Trabalhadores (UGT).

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