Marco Antônio Pontes | Silogismos que se opõem convergem num dilema e… perderemos todos

Foto: Beto Barata/PR/FotosPúblicas

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]

 

(Im)possibilidades

Retomo as conjeturas aqui esboçadas na semana passada sobre as (im)possibilidades de sustentação do governo Temer só para confirmar a impressão inicial:

de fato, qualquer raciocínio lógico aponta para o fim inexorável de um esquema que dia a dia perde poder, sob a forma de apoios em seu principal pilar de sustentação, a base parlamentar.

Sólido desmanche

A enorme coalisão liderada pelo Pmdb parecia tão sólida que se desmanchou no ar, para usar a imagem do Manifesto Comunista de Marx e Engels (aproveitada no título do livro de Marshall Berman: Tudo o que é sólido desmancha no ar).

Já a deixaram expressivas maiorias do Psb e do Pps; somados os dois partidos, as perdas reduziram pouco o número de congressistas coligados e muito o prestígio do então matizado espectro ideológico de que se orgulhava o presidente.

Afinal, Psb e Pps têm raízes no pensamento de esquerda e ofereciam benvindo contraponto à tendência eminentemente conservadora do governo.

Divisão imprevista

Diferentemente da geleia geral da maioria dos partidos, Pps e Psb guardam razoável coesão interna e costumam votar conforme esse caráter – o que aguça a percepção do prejuízo qualitativo sofrido pelo governo.

Semelhante unidade de propósitos e atuação também costumava exibir o Psdb, cujas disputas entre os principais líderes não impedia certa dose de disciplina. Isso, no entanto, mudou e os tucanos assumem insuspeitada clivagem: parte deles, dominante se não majoritária, favorece a permanência na base de sustentação do governo, a outra parte quer ruptura já.

Divisão esperada

Em vez de contabilizar em bloco partidos e respectivos parlamentares, interessa é constatar que ao contrário dos aqui referidos os demais que (ainda) integram a base governista – inclusive o Pmdb – nunca se uniram em torno de ideias e programas.

Aliás nunca se uniram em torno de nada, a não ser do que rendesse cargos na estrutura do estado e suas empresas (de preferência diretorias da Petrobrás, e das que “furam poço”, na cândida admissão de um deputado) e empregos a seus protegidos, emendas no orçamento e outros recursos para suas bases eleitorais… – em síntese, tudo o que for capaz de render votos e dinheiro para campanhas – e fins menos confessáveis, ça va sans dire.

Mais desmanche

Importa, afinal, é que os deputados e senadores da base governista dispensam a intermediação da hierarquia partidária e exigem, em troca do apoio, ‘carinhos’ pessoais dos ministros e do próprio presidente – e muitos não se contentam em conversar, participar de decisões, destinar verbas a seus estados e regiões; frequentemente querem mais, e afora considerações éticas não raro desprezadas, é inviável atender a pleitos cada vez maiores, mais numerosos e caros.

Raciocínio (i)lógico

            – Então o velho escriba acredita que Temer já perdeu a guerra? – intriga-se Mário Arcanjo, após ler o que escrevi na edição anterior desta coluna.

Não chegaria a tanto, Mário, pelo menos por enquanto; já sabemos que no atual processo político brasileiro três meses é longo prazo e o médio conta-se em dias. O cenário que tentei avaliar refere-se à semana que ora se encerra e, note-se, mudou bastante nesses sete dias.

Além disso, o observador exercita o raciocínio lógico, que frequentemente se ausenta dos protagonistas em cena.

Dá errado; ou não?

Na verdade é às vezes difícil perceber a lógica que preside as ações das principais personagens da política, muito mais antever os resultados que obterão.

Por exemplo: Michel Temer abriu guerra contra o procurador geral da República, arriscou-se a comparar o que considera “ilações” que lhe fundamentam as acusações com outras, hipotéticas conforme frisa, que lançariam suspeitas a Rodrigo Janot.

Temeridade! – dir-se-ia, com perdão do inevitável trocadilho –, Eduardo Cunha escolheu o enfrentamento e deu no que deu.

Renan Calheiros, porém, fez o mesmo e esticou a sobrevivência.

Dedução lógica;…

Mais complicado ainda é imaginar que destino os deputados reservarão a Temer – se autorizarão ou não o processo proposto pelo Ministério Público.

Por definição, parlamentares movem-se pela busca de votos populares; sustentar um presidente impopular haverá de custar votos, sobretudo ante o bombardeio que hoje atinge Michel Temer – isso a pouco mais de um ano das eleições; conclui-se, dessas premissas: os deputados jogarão o presidente às feras – quer dizer, ao julgamento pelo Stf.

…ou não?

A esse silogismo contrapõe-se outro, de enunciado mais complexo mas aparentemente tão correto quanto.

Considere-se que mais de uma centena de deputados está às voltas com denúncias tão ou mais graves que as dirigidas ao presidente da República e estima-se que outro tanto, ou mais, receie enfrentar igual ameaça.

Só um temor aflige mais o parlamentar que o repúdio dos eleitores: a iminência de perder o mandato em processo judicial e-ou julgamento por seus pares – do que também resultaria, é óbvio, escassearem votos em eleições futuras ou sequer disputá-las.

Sem contar o temor fundamental, quase absoluto, da prisão.

Sou você, amanhã

Breve recuo no tempo: em fins de 2015 o Stf submeteu ao Senado ordem de prisão contra Delcídio Amaral, e obteve o referendo. Desde então outros parlamentares estiveram (estão) na mira do Judiciário, do que resulta sensação geral de arrependimento: cada qual se imagina Delcídio, amanhã.

Há de ter sido efeito desse sentimento a recusa do Conselho de Ética de instaurar processo de cassação do mandato de Aécio Neves.

O bem e o mal

É provável que comportamento análogo venha a ajudar Michel Temer a defender seu mandato.

No conflito aberto entre Executivo e Ministério Público, do qual ministros do Stf participam, anomalamente, como combatentes, a Câmara vem a ser ao mesmo tempo território de uma guerra de trincheiras (metafórica, felizmente) e inusitado fiel da balança, senhora do bem e do mal.

Tanto faz, tanto fez

Contra todos os prognósticos cientificamente fundamentados dos analistas políticos e a vontade, aferida em pesquisas, da população, é possível que o presidente Temer conclua o mandato.

A este provecto escriba parece que tanto faz como tanto fez, resultarão (resultaremos) todos vencidos: Temer, seus adversários e os que temos nada com esta briga.

Perdemos todos

Assim como o eventualmente destituído presidente da República, perderão seus acérrimos adversários que apostam no ‘quanto pior, melhor’ e sofreremos, os brasileiros, sua ‘vitória de Pirro’ – será revertida a tendência de recuperação da atividade econômica e do emprego, agravar-se-ão os problemas sociais…

E a alternativa é tão ruim quanto: mantido o status quo, persistirão por longos quinze meses as contestações da legitimidade do presidente e as tentativas de destituí-lo. Temer gastará a maior parte de seu tempo na defesa do mandato e o governo seguirá indeciso, inseguro, ineficiente.

Greve contra o povo

Só uma observação sobre a anunciada greve geral e concomitantes movimentos (que se queriam massivos) patrocinados pela Cut, centrais sindicais caudatárias e movimentos sociais idem (pelo Pt, leia-se):

não foi geral e quase não foi greve; ao não conseguir parar nem os transportes urbanos os manifestantes limitaram-se a interromper estradas e avenidas, tentativa de impedir – na marra! – que trabalhadores fossem trabalhar.

Quer dizer: o movimento não feriu o governo, não atingiu suas reformas nem ensejou mínimo avanço na campanha por eleições diretas, já.

Afinal, só agrediu a população das cidades.

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