Tributo a Octavio Malta – (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]
Só pensam ‘naquilo’
Quando os parlamentares resolveram reformar política todo mundo percebeu o que de fato queriam (e querem): arranjar dinheiro para as campanhas eleitorais, como aliás reconheceu o deputado Lúcio Vieira Lima, presidente da Comissão Especial da Câmara que cuida do assunto.
Tudo o mais fica em segundo plano, malgrado algumas boas intenções, outras nem tanto e todas sob descrença da opinião pública: há décadas muito se fala e nada se faz para melhorar as normas que presidem entre nós essa atividade inerente e essencial ao ser humano.
Derrota de estadista
Marco Maciel, um dos poucos políticos de nosso tempo a merecer o título ‘estadista’, dedicou substancial parcela da profícua carreira à formulação e defesa de profundas mudanças na legislação político-eleitoral.
Há alguns anos – bem antes da insidiosa doença que o condena a progressivo esquecimento –, ouvi-o lamentar que tanto tempo e propostas fossem insuficientes para melhorar as normas, portanto o ambiente da política.
Julguei detectar em sua voz e olhar, ao dizê-lo, alguma nostalgia e muita decepção, como a admitir rara derrota na trajetória vitoriosa.
Aposta na utopia
Algo do que hoje pregam os arautos de suposta modernidade político-eleitoral soa-me falso. E parece utópico, bom demais pra ser verdade, por exemplo, o voto distrital misto em 2022.
Mas por que não apostar na utopia?, se até se discutem propostas respaldadas pela opinião pública, como as cláusulas de barreira e o fim das coligações em pleitos proporcionais?
Palácio ou Papuda
As negociações e manobras da semana ora encerrada confirmam, entretanto, as piores impressões.
Ninguém quer reformar a política, a maioria dos deputados e senadores só pensa em dinheiro para manter os mandatos nas eleições de 2018.
Muitos precisam desesperadamente do foro privilegiado para escapar do anunciado acerto de contas: no próximo pleito estarão entre o Palácio do Congresso e a Penitenciária da Papuda.
Outros buscam prevenir acidentes – e se forem apanhados? – ou movem-se pelo corporativismo, o que vem a dar no mesmo.
Ao lixo
Por enquanto os legisladores em causa própria dão-se mal e a opinião pública repudia-lhes enfaticamente as manobras. Via internet e redes sociais já se convocam manifestações contra o despudorado aumento dos recursos públicos para financiamento de campanhas particulares. Enquanto isso o tal “distritão”, extemporânea cópia de modelo mal sucedido e abandonado mundo afora, parece caminhar para o lugar que lhe cabe, o lixo legislativo.
Demanda insaciável
Convido-o, leitor, a deixar de lado as infelizes manobras dos parlamentares que ‘só pensam naquilo’ e tratar do que de fato interessa: jamais encontraremos adequado jeito de balizar e conduzir eleições e respectivas campanhas se não forem invertidos os termos da equação.
Não se trata de conseguir mais recursos, é impossível aumentar a oferta ante a demanda insaciável. Precisamos é trazer de volta as campanhas ao mundo real, em que os recursos são escassos.
Tanto melhor que a redução de custos sirva à legitimidade do processo.
Pequena grande mudança
Há cinco, talvez seis anos Roberto Pompeu de Toledo, colunista de Veja, criticou os altos custos das eleições – sobretudo os do marketing e propaganda que dão o tom das campanhas – e propôs, assim como quem quer nada, uma pequena e radical mudança num único (e principal) componente do processo, a propaganda eleitoral dita impropriamente ‘gratuita’, transmitida pelas emissoras de televisão e rádio.
Programas jornalísticos
O jornalista sugeriu mudar o formato, substituir as atuais peças publicitárias por programas jornalísticos. Como não chegou a formular propostas concretas nem voltou ao assunto, arrisco-me a dar sequência à ideia e ensaiar um modelo talvez adequado.
À semelhança dos noticiários das emissoras de rádio e tv, os programas exporiam o ideário dos partidos, o pensamento de dirigentes e candidatos; haveria lugar para reportagens, questionamentos, diálogos com os eleitores, debates entre os oponentes, sob a condução de repórteres, redatores e produtores designados pela Justiça Eleitoral.
Como no rádio e tv
Ressalte-se: neste modelo os programas seriam muito parecidos com os tele e rádio-jornais, em conteúdo e forma. Inclusive nos intervalos publicitários que os partidos e candidatos preencheriam – aí, sim – com propaganda, também presente nas inserções ao longo da programação diária das emissoras.
Sem angústia
Uma óbvia vantagem do novo formato seria a drástica redução dos dispêndios partidários nas campanhas, sem aumentar na mesma proporção os da Justiça Eleitoral. Estaria atendida a angústia dos parlamentares ante a falta de meios lícitos para apresentar-se ao eleitorado.
Isso já justificaria a mudança, mas não é seu principal mérito.
Candidatos, não sabonetes
Mais importante é que as campanhas eleitorais serviriam de fato à discussão dos temas que mais interessam ao cidadão e eleitor, permitiriam conhecer os candidatos, cobrar-lhes posições e compromissos.
Bem diferente, vê-se, do que oferece o cansado formato atual, no qual se evitam os assuntos polêmicos, foge-se de definições como o diabo da cruz e promovem-se postulantes como quem vende sabonetes, sob o comando de marqueteiros e publicitários cuja função é exaltar virtudes e esconder defeitos.
Além do limite
Nada contra publicitários nem marqueteiros.
A propaganda é precioso instrumento de informação e orientação dos consumidores, na desejável livre concorrência entre agentes do mercado.
O marketing reúne estratégias e técnicas necessárias à organização dos meios de convencimento quanto à excelência de produtos, empresas, entidades.
Até certo ponto é possível emprestar ao campo das ideias, inclusive políticas, os conceitos que regem a publicidade e o marketing. O ponto a não ultrapassar é aquele em que o interesse de instituições e pessoas – partidos e candidatos, no caso – sobrepõe-se ao da sociedade.
A parte pelo todo
Esse limite tem sido transposto em nossas campanhas eleitorais. Especialmente nas disputas majoritárias a informação completa, objetiva e isenta é suplantada pela propaganda que deveria integrar, jamais substituir o processo de comunicação.
De maneira análoga a estratégia de marketing sobrepõe-se à política e desvirtua o processo, a ensejar que ao final se vendam candidatos como fossem sabonetes.
Acadêmico Aylê
Brasiliense de quatro décadas o jornalista, professor e escritor Aylê-Salassié assumiu há duas semanas uma cadeira na Academia de Letras de Ubá, Minas Gerais, sua terra natal.
Não se surpreendeu quem o conhece – a condição de ‘imortal’ aplica-se naturalmente ao brilhante acadêmico. O que muitos coleguinhas estranharam foi que houvesse tal instituição numa cidade do interior de Minas.
Brasil desconhecido
Tenho mais, muito mais a dizer sobre a cultura dos ‘brasis’ ignorados nas grandes metrópoles, a que produz pensadores como Aylê. Deixo pra próxima semana, a contar com a fidelidade dos eventuais leitores.
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