Cristovam Buarque defende impeachment e Temer durante palestra na Associação Comercial

“Eu próprio sofrerei muito eleitoralmente porque minha base me chama de golpista”, disse o senador

O senador Cristovam Buarque fez palestra nesta segunda-feira na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na capital paulista. A exposição teve como tema o panorama político brasileiro e foi realizada durante encontro do Conselho Político e Social da entidade, coordenado pelo ex-senador Jorge Bornhausen.

Buarque se colocou favorável ao impeachment de Dilma Rousseff e a um posterior período de travessia até 2018, por meio da substituição dela por Michel Temer.

“Ela própria o escolheu duas vezes, não se pode dizer que é golpe, que se está colocando uma pessoa estranha no ninho”, frisou.

“Devemos lamentar o impeachment. É uma violência constitucional interromper um mandato, não em relação à presidente, mas em relação ao País. Mas, está dentro da Constituição e é necessário para virar a página”, explicou.

Para o senador, a crise de credibilidade é assustadora, “com falta de lideranças, inexistência de partidos que representem pessoas com propostas e valores semelhantes, dentro de qualquer sigla; temos pessoas com propostas radicalmente diferentes e comportamentos éticos diferentes”. Ele completou que a credibilidade precisa ser reconstruída em relação à política, aos governos e à presidência.

Segundo Buarque, a estabilidade da moeda é objeto central e que “a inflação é a pior de todas as formas de corrupção porque rouba de todo mundo para facilitar a irresponsabilidade do setor público. Lula não teve esse pecado, foi Dilma que voltou (com a inflação), o que é irresponsabilidade fiscal”.

Ele garantiu que Temer não vai ferir as regras democráticas. “Não vejo a menor possibilidade disso”.

Voto

“Não me considero golpista. Todos os partidos têm pessoas decentes, honestas e com propósitos sérios. Quebramos a capacidade de dialogar. Eu não disse como ia votar, não poderia dizer, precisava de uma razão constitucional para votar pelo impeachment – e não tinha. O processo estava andando. Temer tem que trazer de volta o diálogo. É difícil porque as posições radicalizaram, sobretudo no começo. Mas creio que vai ser possível (dialogar), se o governo der certo”, explicou Buarque.

Síria sem bombas

Segundo ele, as grandes cidades brasileiras foram transformadas em “monstropolis”, e que isso “vai dar muito trabalho para acertar”. Buarque relatou que, em conversa com José Sarney, o mesmo lhe disse que o maior problema é a desaglutinação da sociedade brasileira, que é uma “espécie de Síria sem bombas”.  

O senador disse concordar. Ressaltou que o principal problema enfrentado pelo Brasil é como aglutinar os 200 milhões de habitantes em um projeto de nação. “O problema do déficit é fácil, põe a matemática. Mas esse outro problema (da aglutinação) é algo abstrato e tem como causa a política, os partidos e a migração partidária com tanta facilidade”.

Buarque disse que a Constituição desagrega porque sofreu uma corporativização e porque tem mais direitos do que deveres, carregando vetores desaglutinadores. “O corporativismo está constituído. As pessoas pensam em si, e não no conjunto da sociedade. Grande parte do déficit vem desse corporativismo e da força que ele adquiriu na História, especialmente a partir dos governos Lula e Dilma. Houve certo incentivo à organização corporativa e aos interesses das corporações, sacrificando o interesse da população”, criticou.

Programas sociais  

Para o congressista, reduzir a fome no Brasil por meio do Bolsa Família foi “um feito”, mas o programa é uma “continuidade desagregadora do Bolsa Família que eu comecei e que FHC levou adiante”. Disse que o programa não deveria ter sido tirado do Ministério da Educação e que misturar os programas anteriores (gás, alimentação) “perdeu a característica educacional”.

“Antes só recebia quem tinha filho na escola, agora recebe velho sem filho, deficiente. Deveria ser separado”.

“Não teremos problema de retrocesso nos programas sociais”, garantiu. Disse considerar extremamente positivo o aumento do Bolsa Família, o que “serviu para passar a ideia de que Temer não significa fim de programas”. Afirmou que será necessário cortar recursos. “Para não cortar na educação e na saúde, vai ter que cortar em algum lugar”. “Nos acostumamos a não levar limites na política, aumentávamos tudo. Agora, se aumenta aqui, diminui aqui, parece coisa de outro planeta, mas isso é obvio”.

Temer e Congresso

Para Cristovam Buarque, o presidente-interino não manterá o mesmo apoio no Congresso depois do impeachment. “Tirada a presidente, não vão se manter dois terços em favor de Temer. Vai diminuir, e as corporações vão pressionar”.

“Eu próprio sofrerei muito eleitoralmente porque minha base me chama de golpista. Mas há o momento em que se tem que votar pelo País e não pela eleição. O impeachment traz mácula no processo democrático, mesmo de acordo com a Constituição, sobretudo quando os crimes não são tão claros para a opinião pública”.

Comparou Temer com Dilma quanto à capacidade de dialogar.

“Temer tem competência nisso e Dilma era o oposto, ela não conversou com parlamentares, ela era inapetente. Ela não tinha, Temer tem, espero que ele consiga, graças a esse gosto e jeito para costurar o apoio necessário para enfrentarmos a esquerda do retrovisor, arcaica”.

Reformas

O senador frisou que Temer terá de enviar ao Congresso projetos de reforma previdenciária e trabalhista. “É irresponsabilidade não fazer. Tem que ter movimento que apoie isso. Não é possível defender uma Previdência feita quando a esperança de vida era 60 anos e hoje é quase 80. E o Estado hoje está esgotado fiscalmente, em quase colapso, não tem como não ter reforma previdência”. Ele acrescentou que isso “não terá resultado para Temer, mas trará credibilidade. Sem essas reformas a credibilidade não volta”.

2018

Buarque disse que teme o retorno do populismo em 2018. “Lula pode voltar forte se não tiver problemas na Justiça. Ou outro nome, não necessariamente do PT, mas do bloco deles. O fracasso de Temer significaria o queremismo, como foi com Getúlio Vargas. Se o movimento queremista voltar, se não tiver cuidado, propostas populistas voltarão.

Educação

O ex-ministro da Educação defendeu a cooperação entre os setores público e privado. Para ele, é preciso “tirar das esquerdas o ideal de que o que é estatal é, necessariamente, público. Saúde é estatal, mas não é pública. Há soluções de cooperações entre estatais e privadas que servem ao público, como as organizações sociais. Isso, para o senador, pode ser aplicado à educação. “É heresia falar isso diante de esquerda arcaica. Mas tem que ter debate, seja nas mãos do público, do privado, da cooperação estatal privada”.

“Não adianta controlar economia. Ela hoje tem regras que não temos como interferir do ponto de vista do Estado. Temos que interferir no quanto da economia a gente retira para servir a sociedade, e como distribui. Aí é o espaço da política. Respeitar regras, não dá para brincar. O melhor exemplo é 2014, em que Dilma brincou para vender mais carros, reduziu luz, deu isenções fiscais exageradas”, afirmou.

Ele vê na educação o vetor transformador da sociedade brasileira. “É a educação que poderá aglutinar o Brasil. É escola e educação que trarão aumento da produtividade: não tem outro jeito. Não haverá emprego sem educação. Pode dar bolsa, mas nenhum país sobrevive com bolsa. Tem que ter meta de quando vai terminar a necessidade de bolsa, ter prazo, libertando as pessoas da necessidade”.

Para o senador, o Brasil pode ser, um dia, campeão mundial em educação, com igualdade entre pobres e ricos, brancos e negros, sem cota. “Pode parecer absurdo, utopia, devaneio”. Frisou que muitos países já conseguiram e que isso independe de socialismo e capitalismo. “Mas, franqueza, leva décadas para ser feito. Não é de um dia para outro, como a lei da abolição”.

O foco, segundo ele, deve ser o professor, que precisa receber salário capaz de concorrer com outras profissões, mas com estabilidade responsável, ao invés de estabilidade plena – o professor passaria por avaliações a cada cinco anos. “É como técnico de futebol”. Além disso, o ex-ministro da Educação se colocou favorável ao uso de equipamentos na escola, de lousa inteligente, de usar celular como elemento pedagógico, em horário integral.

“A parte mais revolucionária é criar outro sistema educacional ao longo de 25, 30 anos, feito por cidade, não por escola. Escolher cidades que terão essa qualidade. E terá que ser feito pelo governo federal porque os municípios não têm condições de pagar salário de R$ 10 mil para professor”, explicou Buarque.

Ele lembrou que, antes de ser demitido do Ministério da Educação, elaborou projeto para cidades pequenas, encaminhado para o Congresso. “Estou feliz que o ministro da Educação pensa em fazer isso em 10 cidades. A partir dessas, pode ser exemplo de que é possível fazer uma grande mudança, cujo grande impedimento é político e cultural. A grande dificuldade não é técnica. Temos escolas. Não é financeira, desde que alongue o período. É política. É o Brasil querer fazer”.

Participaram da reunião Jorge Bornhausen, coordenador do Conselho Político e Social; Roberto Mateus Ordine, vice-presidente; e Roberto Macedo, coordenador do Conselho de Economia da ACSP. Milton Luiz de Melo Santos, presidente da Desenvolve São Paulo, também compareceu. O conselho é um centro de estudos e debates sobre temas relevantes para a sociedade brasileira, com o intuito de aprimorar e fortalecimento as instituições, além de incrementar o desenvolvimento nacional. Nas pautas das reuniões mensais do conselho estão temas políticos nacionais recorrentes, rumos da política no Brasil e principais desafios.

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