ARTIGO | FAZER JUSTIÇA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Por Luciana G. Gouvêa 

Em meio à pandemia do coronavírus (Covid-19) o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prorrogou, no âmbito do Poder Judiciário, parte do regime instituído pela Resolução no 313/2020, modificando as regras de suspensão de prazos processuais e determinando outras providências. Esses prazos já haviam sido prorrogados até 30 de abril pela Resolução 6/2020 e agora, os processos judiciais e administrativos em todos os graus de jurisdição que tramitam em meio eletrônico, exceto os do Supremo Tribunal Federal(STF) e da Justiça Eleitoral, tiveram os prazos processuais retomados , sendo vedada a designação de atos presenciais. 

Atualizado com o momento presente, mesmo diante da obrigação de isolamento social o CNJ está inovando através dessa determinação. Até o início desta semana, existia a incerteza sobre o reinício da contagem de prazos processuais ou administrativos, procedimento responsável por fazer as demandas caminharem por tempo delimitado, durando um período razoável de tempo entre o momento de iniciar, ser julgado, ganhar o que tem direito, receber efetivamente o que foi determinado pelo julgador e findar o processo. 

Ora, Poder Judiciário deve cuidar das expectativas de seus cidadãos e cidadãs no que diz respeito ao acesso à Justiça e à velocidade de sua prestação, sob pena de gerar instabilidade social que, além de agredir o princípio da segurança jurídica, atrasa o desenvolvimento de toda a nação. O Estado Democrático de Direito tem relação direta com a estabilidade da ordem jurídica e, especialmente nesse momento de mudança, faz-se necessária a simplificação do Judiciário, com mudanças estruturais inclusive, para atender ao novo normal que se apresenta. 

A palavra de ordem é reorganização para sustentabilidade. Há alguns anos a  Justiça brasileira precisa ser redimensionada e reorganizada, afinal, de acordo com o mais recente relatório do CNJ, “Justiça em Números – 2019”, a taxa de congestionamento do Judiciário pontuou em 72% em 2018, ou seja, o percentual de processos que ainda estão sem solução, comparados com o total tramitado no período, ainda é absurdamente grande. 

Certo é, a Justiça é um dos serviços públicos essenciais e por isso deve pautar-se no princípio constitucional da eficiência, buscando otimizar seus recursos para ter eficácia nas ações, em prol de toda a sociedade, mas, apesar de tratar-se de serviço essencial, e de ter gasto R$93.725.289.276 (despesa total), mesmo assim, finalizou 2018 com 78,7 milhões de processos aguardando alguma solução definitiva. 

Vale lembrar, o Poder Judiciário modernizou-se, entrou na era digital, tanto que, ainda de acordo com o relatório “Justiça em Números – 2019”, em 10 anos foram protocolados 108,3 milhões de casos novos em formato eletrônico, processos esses que vêm tramitando sem papel, sem capa, sem manuseio, sem ocupar espaço em prateleiras, apenas transitando no mundo virtual. 

Apesar do relatório do CNJ apontar para as dificuldades dos tribunais em lidar com seu estoque de processos, vê-se que seus dados também revelam a tramitação de mais de 83% dos processos já no mundo virtual, inclusive, apenas 6,2% de brasileiros ingressaram com processos físicos enquanto 20,6 milhões de casos novos ingressaram de forma eletrônica. 

Ademais, o volume de processos pendentes de julgamento final e o volume que ingressa a cada ano é estarrecedor apesar de, em se tratando de acesso à Justiça – direito constitucional, esse valor ainda ser pequeno, eis que em média, a cada grupo de 100.000 habitantes, apenas 11.796 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2018, ou seja, apenas 12% dos cidadãos tiveram acesso ao Judiciário, um número ínfimo de brasileiros. E se ao menos 51% dos brasileiros conseguisse acessar a Justiça? Do jeito que vamos, o caos estaria instalado. 

Ainda analisando os dados de produtividade do Poder Judiciário computados no relatório do CNJ, eles revelam que, por exemplo, na Justiça Estadual mesmo não havendo início de novas demandas e caso fosse mantida a produtividade dos magistrados e dos servidores, ainda assim seriam necessários aproximadamente 2 anos e 6 meses de trabalho para zerar o estoque dos quase 79 milhões de processos, ou seja, o momento de reforma urgentíssimo, ainda mais com a chegada do coronavírus.

 Importante observar que, nesse período de enfrentamento do COVID-19, no Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça do estado (TJRJ) acabou de anunciar em seu site (http://www.tjrj.jus.br/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/7140586) que produziu mais de 330 mil sentenças, acórdãos e decisões e cerca de 3, 2 milhões atos de servidores nos último 30 dias, o que alerta para a possibilidade de a Justiça bem funcionar, mesmo que só virtualmente, porque a Justiça não pode parar. 

Parece claro, com 83% dos processos já eletrônicos, vale o maior esforço do Judiciário em insistir nessa nova determinação de contar seus prazos, assim fazer a Justiça andar de acordo com a determinação constitucional de que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (artigo 5º, XXXV e LXXVIII), porque para termos justa Justiça, o Judiciário precisa, em tempo hábil, julgar!

 A informatização dos procedimentos e processos já é uma realidade brasileira, mesmo com restrição de acesso físico às serventias judiciárias, a adoção de outros métodos de trabalho é factível, tanto para a efetivação do trabalho remoto, quanto para realização das sessões de julgamento virtuais e duração razoável dos processos. Contamos todos com esse novo Judiciário!!!

Luciana G. Gouvêa – Advogada. Diretora Executiva da Gouvêa Advogados Associados – GAA.. Pós-graduada em Neurociências Aplicadas à Aprendizagem (UFRJ) e em Finanças com Ênfase em Gestão de Investimentos (FGV). Especialista em Mediação e Conciliação de conflitos e  Proteção Patrimonial legal.

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