Marco Antônio Pontes | A velha política não muda

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]

 

Cultura estagnada

            – A cultura política brasileira teima em não mudar no necessário.

Vem a propósito do que tem acontecido no Brasil nestes tempos estranhos, especialmente nas últimas semanas, a precisa frase de Sérgio Alves, leitor que me honra com participação oportuna e atilada.

(Agradeço-lhe também, Sérgio, os elogios generosos.)

E porque não muda a cultura política tampouco mudam atitudes e atos dos políticos.

É como se o tempo passasse ventando sobre um lago estagnado e movesse nem a superfície das águas poluídas, que assim mesmo exalam podridão.

Encontro clandestino

Os noticiários revelam episódios desta política que teima em não mudar.

Um presidente da República aceita receber fora do expediente, da agenda e do local de trabalho, tudo a sugerir clandestinidade, um empresário pra lá de enrolado.

Este, por sua vez, viola a intimidade do anfitrião para deliberadamente comprometê-lo em suas falcatruas (diz-se que Temer comprometera-se por conta própria, o que não torna a cilada menos insidiosa).

E tudo se faz em cooperação com o Ministério Público, instruções da Polícia Federal e autorização de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Nem aí…

Um ex-presidente que deseja voltar ao poder, mesmo recém-condenado por corrupção e lavagem de dinheiro afora outros quatro processos em que é réu, dá a impressão de que está nem aí e segue em campanha eleitoral, a proclamar inocência.

E há quem acredite, apesar da abundância de provas e da extensa, minuciosa sentença de um juiz reconhecidamente eficaz cujas decisões costumam ser referendadas nas instâncias superiores.

Ternura desmentida

Lula monologou a dirigentes e militantes petistas, como tem feito desde que foi apanhado pela Operação Lava a Jato – plateias descomprometidas?, jamais!

Enganou a imprensa quando anunciou que daria entrevista coletiva e permitiu nenhuma pergunta.

Repetiu mentiras conhecidas e inovou quando se desmentiu ao prometer “não perder a ternura”, deslocada citação de ‘Che’ Guevara: a expressão facial era raivosa, desgarrada do discurso.

Inelegível

O ex-presidente finge não saber que muito provavelmente sua condenação será confirmada no Tribunal Federal da 4ª Região em alguns meses, o que o tornará inelegível (e de quebra mais um político preso).

Aliás, por artes das confusas legislação e jurisprudência, estabeleceu-se não poderia sequer substituir um presidente da República, porque o Stf vedou-o a réus de ações criminais – e quem não pode o menos, poderá o mais?

Opção suicida

Caso demore a decisão da segunda instância ele até conseguirá candidatar-se, sujeitando-se a impugnações.

Mesmo eventualmente vitorioso, diplomado e até empossado, um tardio pronunciamento do Tribunal poderá cassá-lo.

Quer dizer: se a justiça tardar e o Pt insistir na escolha suicida, na próxima campanha presidencial os candidatos lutarão mais por outros votos que não os populares: os dos ministros dos tribunais superiores.

Um ano?!

Depende do Judiciário a eleição de 2018 transformar-se, ou não, numa batalha jurídica. E o primeiro sinal emitido pelo colegiado que revisa as sentenças de Curitiba é nada animador: o desembargador federal que o preside estimou que um provável recurso será decidido em cerca de um ano – e pareceu achar razoável, até curto o prazo!

Se tarda, falha

Por situações como essa é que o Judiciário, cuja atuação e personagens (de juízes de primeira instância a ministros do Supremo) nos últimos anos têm sido acompanhadas e aplaudidas pela sociedade, aqui e ali tem sido alvo de desconfiança, até rejeição.

Já se pergunta por que ministros, desembargadores, juízes, demais funcionários têm quatro meses de férias (ou recessos), questionam-se remunerações que ultrapassam o teto constitucional e, principalmente, reclama-se da morosidade da Justiça – já é frase feita: se ela tarda, falha.

Prazo e pressa

Seria o caso de apelar aos três desembargadores federais do Tribunal da 4ª Região, membros da Turma que julgará recursos de Lula:

sabe-se que não têm prazo, mas poderiam ter pressa?

Poder ou prisão

Há muito em causa; além das complexas questões processuais que lhes compete examinar está em jogo o feitio da campanha que elegerá o próximo presidente da República.

Cabe-lhes decidir se discutiremos a qualidade de programas e candidatos ou a habilitação de um único postulante – suas excelências dirão se o ex-presidente é ou não, formalmente, corrupto e lavador de dinheiro.

Lula, no caso, estará entre um possível (malgrado improvável) retorno ao poder e… a cadeia.

 ‘Comigo?, não!’

Menos que ao moroso Judiciário, à Justiça que falha porque tarda, o impasse iminente debita-se aos políticos que resistem à mudança.

Revelado o mensalão, pelo qual foram punidos figurões dos meios políticos e empresariais apanhados em “tenebrosas transações” (apud Chico Buarque), sobreveio a Lava a Jato que o fez parecer questão de Juizado de Pequenas Causas, como disse um ministro do Stf.

Esperava? o leitor que afinal os corruptos temessem sanção, parassem de delinquir? Vã ilusão. Com prisões a granel e sucessivas condenações de grandes nomes do parlamento, do governo e do ‘mercado’, muitos perseveraram no crime; provavelmente a crer na eterna impunidade – ‘Comigo não acontece!’.

A mala e o ‘empréstimo’

Assim um deputado foi filmado a arrastar pela rua mala cheia de dinheiro – caíra em armadilha, mas o logro não lhe atenua o vexame.

Um senador, ex-governador, ex-candidato quase eleito presidente que se preparava para nova tentativa foi apanhado a pedir dinheiro àquele empresário enrolado; arranjou desculpa esfarrapa (só pedia um empréstimo…).

Novamente, a perversa arapuca não elimina o malfeito.

Pecado do excesso

E houve o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral que absolveu a chapa Dilma-Temer “por excesso de provas” dos ilícitos cometidos na campanha; o anunciado desembarque do Psdb do governo tão logo conseguiu livrar Aécio de processo no Senado, com apoio dos governistas; a descarada substituição de opositores por gente ‘de confiança’ na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, sob indignados protestos do Pt e aliados – que haviam feito o mesmo para defender Dilma do impeachment.

Azar de um, sorte do outro

Em meio a tanta confusão, a tônica dos noticiários da semana ora encerrada pode resumir-se numa constatação singela: azar de Lula, sorte de Temer.

O ex-presidente, que certa vez foi dito o mais popular chefe de estado depois da rainha da Inglaterra (era “o cara” de Bush, o filho), agora se constrange na condição de corrupto oficial.

O atual presidente, embora longe de livrar-se da enrascada em que se meteu, contabiliza dois êxitos expressivos: vitória na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e aprovação pelo Senado das mudanças que propôs nas leis do trabalho.

Intermezzo

Bônus adicional, a condenação de Luís Inácio e sua resposta tíbia ao fato avassalador foram música aos ouvidos de Michel Temer.

As agruras do adversário quase monopolizam as atenções e concedem-lhe relativa folga, algo de que não desfrutava há meses.

Cereja do bolo, foram pífias as manifestações de rua com que o Pt tentou reagir à sentença.

Tudo isso haverá de manter Lula sob fogo da mídia e afastar do indesejado proscênio o presidente. Resta saber como se retomarão os embates após o providencial intervalo (para ambos), as duas semanas de recesso parlamentar.

 

 

 

 

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