OPINIÃO | A construção de um impeachment de governador

Por Ricardo Callado


Depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff, se confirmado pela Senado, abre-se uma porteira. Governadores que não possuem base política real e tem baixa popularidade serão os primeiros alvos.

A ameaça é real. E é construída aos poucos. Com notas na imprensa, discursos de parlamentares, insatisfação de setores da sociedade, até chegar a uma denúncia concreta. De seus palácios e gabinetes, governadores e assessores não conseguem ter uma visão do mundo real aqui fora.

Falta de base política e baixa popularidade atualmente é uma combinação explosiva. Junta-se a isso, as dificuldades financeiras. O governador Rodrigo Rollemberg se enquadra bem nesse cenário.

Para começar, basta procurar um motivo contábil grave. Um erro cometido pela administração pública. Uma pedalada.

Uma vez achado o motivo, deve-se criar um clima junto a sociedade. Amadurecer as razões que podem levar um governador ao impedimento. Se o Executivo não consegue organizar uma base legislativa, não sabe se comunicar com o povo e seu governo é mal avaliado, não tem muito o que fazer. É bom ficar de olhos bem abertos.

E não só Rollemberg está sob ameaça. Uma rápida olhada nos dados do Banco Central sobre a situação financeira dos estados e dos municípios traz uma surpresa. Os números mostram que, de janeiro a outubro de 2015, os governos estaduais e municipais acumularam 17 bilhões de reais nos cofres públicos.

O resultado foi alcançado mesmo diante de um cenário de queda das receitas, por causa da crise econômica, e de aumento das despesas, provocado pela escalada da inflação.

Nos estados, os governadores estão usando manobras para fechar as contas. Ao longo de 2015, eles postergaram o pagamento de fornecedores e salários e sacaram dinheiro depositado em juízo de causas em que o estado nem sequer é parte do processo — contas que terão de ser pagas um dia. Não é de hoje que o cobertor é curto em todas as esferas da administração pública.

Sistematicamente, os governos são tentados a usar a criatividade para bancar as contas e driblar a legislação. As famosas pedaladas do governo federal — o atraso no repasse de dinheiro aos bancos públicos para pagar programas sociais — são um exemplo disso. Mas, desta vez, a manobra não deve passar impune.

Assim como ocorre no âmbito federal, os estados têm apelado para suas pedaladas. Uma delas é inflar o que se convencionou chamar de “restos a pagar”.

Nessa linha do orçamento estão os pagamentos que não foram efetuados para os serviços prestados e os produtos comprados pelos gestores. Itens como consultorias, execução de obras e até a conta de luz acabam entrando nessa rubrica. Na prática, os governos estão apenas empurrando as despesas de um ano para o outro. É fiado que fica para o ano seguinte.

Não há punição para o empurrão das obrigações de um ano para o outro. A Lei de Responsabilidade Fiscal só prevê sanções para quem deixar contas para o sucessor sem dinheiro em caixa ao final do mandato.

Na busca por elevar as receitas, os estados estão correndo atrás de qualquer dinheiro disponível. Uma das fontes encontradas tem sido os depósitos judiciais que envolvem litígios privados. Só o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal mantêm 179 bilhões de reais de depósitos em juízo. Os governadores publicaram leis estaduais que permitem o saque de até 95% desses recursos.

A prática não é nova: os gaúchos começaram em 2004. Mas os saques têm se intensificado, e novas legislações surgem pelo país afora.

Estados como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais já retiraram 18 bilhões de reais dos depósitos — só o Rio sacou 6,5 bilhões em 2015 para pagar as aposentadorias de servidores.

As regras estaduais estão sendo discutidas em ações movidas pela Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal.

O STF já determinou que os estados de Minas Gerais, Bahia, e Paraíba não estão autorizados a fazer novos saques até que as ações sejam julgadas.

Essas leis colocam em risco a norma que diz que o depósito tem de estar disponível ao juiz para entrega imediata ao final da ação judicia. Os governos alegam usar apenas parte do recurso, deixando nos bancos um volume suficiente para pagar a execução das ações.

Mas a manobra é tão arriscada que uma lei federal aprovada em 2015 só permite aos governos estaduais sacar até 20 bilhões de reais, referentes aos depósitos de disputas judiciais em que os estados são parte do litígio. A nova legislação federal não anula as estaduais.

A Constituição estabelece que os estados devem gastar 25% da receita de impostos com educação e 12% com saúde. Uma vez desrespeitados os percentuais, os governos ficam impedidos de tomar novos créditos. A alternativa é usar a criatividade. Os estados beneficiam-se de um princípio que determina que todas as leis criadas pelo poder público são legais até que um tribunal declare o contrário.

Aceitamos uma ficção jurídica de que o governo pode usar o que não é dele para fechar um rombo. Apesar da Constituição ser rigorosa na exigência de que se gaste apenas aquilo que se arrecada, o fato é que isso não tem acontecido.

O que se percebe é uma tolerância dos tribunais de contas estaduais, até pela sua proximidade com o Executivo.

Pelas regras em vigor, dos sete conselheiros dos tribunais, um terço é escolhido pelos governadores. Quem não escolheu nenhum ou não faz parte de um grupo político consolidado, está sob ameaça. É o caso de Rollemberg.

A oposição vê nesse conjunto uma oportunidade de emparedar o governador. E, repito, os fatores influem negativamente Rollemberg. Se pudesse dar um conselho, diria para organizar de fato sua base aliada – hoje é uma peça de ficção -; aprenda a comunicar-se de forma correta, o que vai melhorar a sua popularidade; e faça um pente fino nas contas públicas. Um comitê de crise é uma alternativa. E uma nova forma de dialogar.

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