“Eu percebi que ali estava uma reserva excepcional do fabulário humano. Não havia nada do humano que não estivesse ali. Portanto, eu conquistava um acervo de conhecimento”, disse a escritora. Segundo Nélida, foram as histórias de parentes, como a avó espanhola, que a despertaram para a literatura desenvolvida com a cultura de diversas partes do mundo tantas vezes evidente em seus textos. “A cultura deve fazer o seu esforço de ser universal”, afirmou a escritora, ao confessar que tem “um amor profundo pela língua portuguesa”.
Nélida Piñon, que foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras (ABL), recebeu das mãos da atriz Fernanda Montenegro a Comenda da Ordem Padre José de Anchieta. “Temos praticamente a mesma idade. Somos resultado de anos vividos passando pelos mesmos processos, sobrevivendo, acreditando, trabalhando, criando. Então, Nélida, é como se me dessem a oportunidade de homenagear uma irmã”, disse Fernanda ao entregar a comenda.
O protocolo da instituição diz que a entrega da comenda deve ser feita por quem ocupa a presidência da academia, mas hoje houve uma quebra para que Fernanda, considerada pela Casa a melhor atriz brasileira, pudesse participar da homenagem à escritora. Além de querer reverenciar Nélida Piñon, a instituição abriu hoje as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, e definiu 2017 como o ano em homenagem às escritoras brasileiras. “Abrimos as comemorações do Dia Internacional da Mulher hoje com o encontro dessas duas mulheres extraordinárias. Pessoalmente, acho que não poderiam ambas ter sido mais bem escolhidas”, disse o presidente da Academia, Ricardo Cravo Albim.
Antes de começar a cerimônia, a atriz disse que pediu a Deus que lhe desse palavras justas, porque Nélida domina a língua portuguesa, e ela não conhece alguém igual. “Não vejo páreo no nosso contemporâneo que domine a nossa língua na sua verticalidade e na sua carnificação como a Nélida. Não só é especial estar aqui com a Nélida como também apavorante. É verdade, não estou fazendo histrionismo, porque o que falar para a minha grande amiga?”, disse.
Dia Internacional da Mulher
Sobre a celebração do dia 8 de março, Fernanda disse que considera importante a comemoração, mas preferia que não houvesse necessidade de haver um dia único para a mulher. “Eu pensei na minha vida, um dia, não ter um dia especial para a mulher, não ter nada especial para índio, não ter nada especial para homossexual. Nada especial para aquilo que se possa achar o outro”, afirmou.
Fernanda acrescentou que fica infeliz com todas as comemorações em torno das mulheres, não porque não mereçam, mas porque isso traz à tona algo que precisa ser sacudido para saber que elas existem. “Mas tudo bem. Acho que vou daqui para um lugar aí, em uma hora aí e infelizmente vão continuar os dias para a mulher, tapete para a mulher, mas não tem Dia do Homem. Vejo o Dia da Mulher não [como] um estado de festa. Mas ele existe, e devemos fazer este dia com a consciência de que não quero uma perfumaria”, disse a atriz. Ela acrescentou que tal momento só ocorrerá quando “o mundo estiver completamente equalizado”.
Para a escritora, o fato de a Academia, além de fazer a homenagem, antecipar as comemorações do Dia Internacional da Mulher e abrir o ano das escritoras brasileiras foi uma conjunção formidável. “Realmente sempre fui uma feminista histórica. Fui a primeira brasileira que comemorou junto às jovens o 8 de março na ABI [Associação Brasileira de Imprensa], no tempo da ditadura”, disse Nélida.
Mesmo já tendo recebido diversas homenagens na vida, Nélida tem boas recordações de cada uma. “Cada homenagem tem uma espécie de configuração. Ela é estelar por si própria e arrasta uma intenção maravilhosa de quem outorga.”
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