Com a crescente redução no postos de trabalho, mais profissionais estão aderindo ao trabalho autônomo como alternativa de renda
O país enfrenta uma das piores crises do emprego em sua história: números recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que atualmente 11,4 milhões de pessoas encontram-se na busca por uma colocação profissional. Devido ao cenário preocupante, cada vez mais trabalhadores procuram formas de garantir a renda e superar as dificuldades de um mercado mais acirrado. Dentre as alternativas, a prestação de trabalho autônomo – o freelance – é uma das principais apostas. Historicamente, algumas profissões já exploram essa modalidade como uma maneira de ampliar sua atuação, aumentar a renda e flexibilizar a prestação de serviço. Porém, diante da crise econômica, outro perfil de trabalhador também está recorrendo à este tipo de ocupação. Esse fenômeno é resultado, principalmente, do encolhimento do número de vagas formais, o que obriga o trabalhador a se reinventar e buscar outros meios de recolocação profissional.
Alternativa em meio ao desemprego
Essa modalidade de trabalho não é resultado exclusivo da crise econômica – determinadas profissões optam, por conveniência ou por sua própria natureza de prestação de serviço, à atividade autônoma. Além de representar uma opção para complementar a demanda temporária de trabalhadores em algumas empresas, esses profissionais também são uma alternativa prática e, muitas vezes, mais vantajosa quando se requer um trabalho específico. Porém, em meio ao encolhimento do mercado de trabalho, mais profissionais tem optado por essa atividade como meio de complementar a renda: desde aqueles que sofreram demissões e, enquanto não conseguem recolocação, exercem suas atividades de maneira informal; até aqueles que apostam em outras habilidades para aumentar os rendimentos mensais através de uma segunda atividade.
De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), somente no último ano mais de 1,5 milhão de brasileiros perderam seus empregos – e o saldo negativo no número de cargos abertos em todo país fez com que mais profissionais optassem pelo trabalho autônomo. Dados do IBGE indicam que durante o período de crescimento da economia brasileira (entre 2003 e 2011) observou-se uma redução dessa categoria de trabalho. Em contrapartida, no último ano, o Brasil voltou a apresentar aumento no número desses profissionais, atualmente 19,4% dos trabalhadores desempenharam atividades por conta própria em 2015.
Áreas mais concorridas
O cenário pode ser analisado sob óticas diferentes: enquanto alguns trabalhadores encontram novas oportunidades apostando na profissionalização de hobbies, outros enfrentam maior concorrência devido essa “migração” de área. De acordo com Celso Pereira, fotógrafo há 25 anos “O mercado está mais acirrado e menos lucrativo – com mais pessoas oferecendo seus serviços e menos oportunidades, muitas vezes é preciso baixar o valor do serviço para conseguir fechar um contrato.” A profissão é uma das mais tradicionais no meio e sofre, já alguns anos, com a queda de empregos formais – “A baixa de cargos em agências e produtoras já é fruto da dinâmica do mercado – porém, com o agravamento da crise, o mercado fica mais saturado e mais pessoas concorrem por um mesmo segmento”. O profissional se refere principalmente ao ramo de eventos: como a demanda é alta, muitas pessoas recorrem à atividade para conseguir um rendimento extra. Para o profissional a maior problemática é que o ofício requer muito investimento “A profissão é totalmente dependente de equipamentos fotográficos de alto nível, que não são tão acessíveis. Portanto o valor do serviço não é apenas lucro, devemos levar em conta o investimento em câmeras profissionais, acessórios, e muitas vezes, na criação de um estúdio fotográfico.” – conclui.
A área de tecnologia, indiscutivelmente, é uma das mais concorridas – profissionais de T.I. e atividades relacionadas a meios digitais enfrentam o mesmo dilema: a alta especialização é, muitas vezes, um entrave para conseguir uma recolocação. A analista de sistemas Rafaela Santos trabalhou por 8 anos em uma empresa de consultoria e, após perder o emprego, optou pela modalidade por falta de vagas atrativas “Acredito um dos maiores problemas é que as vagas exigem muita qualificação e oferecem baixos salários. Por mais que a crise seja uma realidade, é preciso considerar todo o investimento que envolve certas formações. Ainda mais na área de T.I. onde sempre precisamos fazer cursos e certificações.” – atualmente a profissional faz serviços de consultoria, projetos e reparos esporádicos por conta própria para conseguir se manter e, ainda assim, acha a oportunidade mais atraente.
Apostas promissoras
Mesmo que com os desafios, ainda existem apostas vantajosas, sobretudo em áreas menos exploradas, muitos trabalhadores aproveitam a baixa do mercado para empreender. Diante da queda do consumo, mais pessoas recorrem aos serviços de manutenção e reparo. E essa tem sido a aposta de muitos profissionais que recorrem ao trabalho autônomo. Para se ter uma ideia, pesquisas de mercado apontam que um dos produtos mais adquiridos pelo brasileiro – os smartphones – seguirão em queda acentuada justamente pela alta procura pelo conserto dos aparelhos. Na mesma linha, os serviços de mecânica e manutenção de computadores serão alternativas diante da queda do consumo de itens novos. A tendência é que o consumidor recorra cada vez mais à soluções que contribuam para preservação de bens e até mesmo o barateamento de serviços – nessa linha uma atividade que tem despertado cada vez mais o interesse tanto de clientes, quanto de prestadores é o transporte privado. Muitas pessoas estão optando pelo serviço de motorista particular, mesmo que a questão da legalização da atividade no país ainda esteja em discussão. José Francisco atuou como corretor de seguros por 10 anos, e agora diante da dificuldade em conseguir recolocação profissional, considera associar-se à um famoso aplicativo de táxi por demanda graças à flexibilidade do trabalho “o mercado de seguros, antes mesmo da crise, estava complicado. Grandes companhias supriram o poder de venda dos corretores. Utilizar do meu próprio meio de transporte para gerar renda e sustentar minha família me parece uma boa opção” – explica. A expectativa de Francisco é que o ofício permita que ele colabore com orçamento familiar e ainda consiga estabelecer uma rotina de trabalho mais flexível.
Unindo o útil ao agradável
Se para muitas pessoas crise também significa oportunidade, para Silvana Marcos a saturação do mercado e da sua própria expectativa em relação à sua profissão foi a razão que a motivou em transformar um antigo hobby em profissão – a analista de sistemas decidiu investir no que antes era apenas uma paixão: a decoração. “Depois de muitos anos na área de T.I. eu decidi mudar de ares, como estou próxima da aposentadoria, teria de investir muito mais do que estou disposta para continuar na área. Juntei então, minha paixão por flores e por trazer alegria às pessoas, e investi em cursos de designer floral.” – comenta – “hoje, atendo a casamentos, faço buquês e ofereço pacotes especiais para datas importantes. A vivência fora do escritório me trouxe nova percepção profissional!”. E na mesma linha, milhares de profissionais redescobrem seus talentos e passam a apostar em novos ofícios. Diante da necessidade de contornar a crise, muitos profissionais exploram outras habilidades e até mesmo desenvolvem novas maneiras de explorar o potencial de suas áreas.
Reinventar-se é preciso
Para convencer o cliente e até mesmo mantê-lo, as atividades que estão em baixa devido à queda do consumo, precisam apostar no diferencial. Para Rosangela Oliveira, cabeleireira, a crise afetou em cheio o nicho de beleza “Por mais que a brasileira se preocupe com o visual, a rotatividade cai muito em tempos como esse. Se antes o cliente realizava serviços semanalmente, agora aparece a cada 15 ou 20 dias. Consequentemente, o rendimento do negócio é afetado.” – explica. Como alternativa, a profissional tem apostado em horários alternativos, atendimento à domicílio e também pacotes de serviços. A realidade é que, para se manter no mercado, independente da atuação, o profissional deve se adaptar e buscar meios de redescobrir o próprio mercado. Em meio à uma cenário pouco convidativo, a criatividade é um grande aliado do trabalhador.
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