Artigo | Financiamento (re)publicano de campanha

Por Ismael Almeida

É ponto pacífico no meio político, dos que lidam com a formatação de campanhas eleitorais, que o dinheiro, e sobretudo a falta dele, é um ingrediente fundamental para se ter sucesso ou não numa campanha. Não por acaso, essa constatação é facilmente percebida até pelo senso comum: ninguém se elege sem dinheiro, por melhor que sejam suas ideias.

Como breve parêntese, vale lembrar que toda regra tem sua exceção. Em 2018, pudemos assistir esse paradigma ser quebrado, sem cerimônias, por vários candidatos ao legislativo federal, e inclusive pelo vencedor do pleito presidencial, Jair Bolsonaro, pois se elegeram usando a força das redes sociais e dando de ombros para os milhões gastos nas campanhas concorrentes.

Ainda é cedo para dizer se esse fenômeno foi apenas um ponto fora da curva no histórico das eleições brasileiras, ou se essa nova forma de fazer campanha eleitoral, sem a dependência direta de vultosos recursos financeiros, veio para ficar. Tenho um palpite de que a tendência é que esse formato vai se consolidar ao longo dos próximos anos.

Dito isso, e considerando que para a imensa maioria dos postulantes a cargos eletivos, o financiamento de campanha ainda é extremamente necessário, cumpre-nos discorrer um pouco sobre como funciona esse mecanismo, e também qual seria um modelo ideal para a nossa realidade, haja vista que em outros países existem experiências interessantes a respeito desse tema.

O âmago da discussão sobre o custeio de campanhas políticas reside em saber se esse mecanismo deve ser público ou privado. No Brasil, desde 2015, e por força de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o financiamento de campanhas passou a ser público, ou seja, custeado por recursos do Orçamento Geral da União. A Suprema Corte entendeu à época que a possibilidade de pessoas jurídicas privadas poderem financiar campanhas eleitorais poderia distorcer a vontade popular diante do poderio econômico das grandes empresas sobre os eleitos.

A preocupação é pertinente, pois não é desejável que os interesses econômicos possam sobrepujar a escolha popular a esse ponto. No entanto, sem colocar uma outra coisa no lugar, a decisão apenas recriou o cenário jurídico pré-1993, quando a doação de empresas também era proibida, mas mesmo assim não evitou a relação espúria de políticos e empresários que resultou no escândalo conhecido como Anões do Orçamento.

Por outro lado, os que defendem a possibilidade de doações de pessoas jurídicas alegam que a Constituição veda tão somente o abuso de poder econômico, e não proíbe o financiamento de pessoas jurídicas. Sustentam que a proibição deixa candidatos da oposição em desvantagem e que os partidos maiores — e com mais verbas públicas — ficariam em vantagem em relação aos menores.

Vimos, portanto, que existem bons argumentos para ambos os lados. No entanto, o fato é que que a assimetria causada por essa questão desequilibra as disputas e exatamente para acabar com essa distorção é que o sistema político precisa apresentar uma solução para esse problema, não só para garantir disputas mais justas, mas também porque isso resultará no aperfeiçoamento do nosso sistema democrático.

De fato, se por um lado o poder econômico através do financiamento privado pode criar uma espécie de controle sobre os eleitos, por outro, também não é salutar que os candidatos fiquem sob a dependência exclusiva da vontade de dirigentes partidários, que em muitos casos, utilizam critérios bem pragmáticos para a distribuição do fundo eleitoral.

Em países como a Alemanha, Espanha e Itália essa questão foi definida utilizando um sistema misto de financiamento (público e privado). Guardadas as devidas proporções e diferenças entre os sistemas políticos desses países com o Brasil, a lógica poderia ser perfeitamente aplicável por aqui.

Sendo mais específico, as doações de pessoas jurídicas privadas poderiam ser readmitidas no nosso processo eleitoral, mas com critérios claros e objetivos, que preservem a isonomia entre doadores, candidatos e partidos, e assegurem a legitimidade e normalidade das eleições em face do poder econômico.

Nesse contexto, as vedações possíveis seriam: as doações de pessoas jurídicas que possuam contratos com o Poder Público; recebam, a qualquer título, recursos públicos; recebam, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; sejam entidades de classe ou sindical ou que sejam entidades beneficentes e religiosas. Tudo isso aliado a um bom sistema de fiscalização por parte da Justiça Eleitoral, coisa que, aliás, avançou bastante nos últimos anos.

Entendo, portanto, que esse seria um modelo muito mais justo e republicano, que daria maior equidade entre os postulantes a cargos eletivos sem afastar, no entanto, o papel dos partidos políticos em todo esse processo.

Ismael Almeida, consultor Político e especialista da Fundação da Liberdade Econômica.
 

Sobre a FLE

A Fundação da Liberdade Econômica (FLE) é um centro de pensamento, produção de conhecimento e formação de lideranças políticas. É baseada nos pilares da defesa do liberalismo econômico e do conservadorismo como forma de gestão. Criada em 2018, a entidade defende fomentar o crescimento econômico, dando oportunidades a todos. Nesse sentido, investe em programas para a formação acadêmica, como centro de pensamento e desenvolvimento de ideias. Ao mesmo tempo, atua como instituição de treinamento para capacitar brasileiros ao debate e à disputa política.

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