É preciso superar diferenças e enfrentar distorções
Por FELIPE SALTO e JOSUÉ PELLEGRINI
O Brasil cresce menos que o mundo há 40 anos. O período 2015-2019 é o pior da série histórica. Tal quadro resulta de inúmeras distorções no sistema econômico, muitas relacionadas à atuação do Estado.
A boa notícia é que a atual crise criou ambiente favorável ao avanço das reformas estruturais. A aprovação da reforma previdenciária na Câmara, sem grandes mudanças, foi um passo importante. Agora é a vez da reforma tributária.
A carga tributária de cerca de 33% do PIB desde o início da década passada não se dá sem custos. A tributação sobre a renda e a propriedade é baixa e não garante a equidade entre os diferentes nem entre os iguais. A tributação sobre a folha de salários é elevada e desestimula o emprego.
A tributação sobre o consumo tem vários problemas. Corresponde à metade da carga tributária — 4,2 pontos percentuais de PIB a mais do que a média na União Europeia. Entre os principais tributos estão os federais Cofins, PIS, IPI, IOF e Imposto de Importação. Há também o estadual ICMS e o municipal ISS.
São vários tributos, com regras complexas, notadamente no caso do ICMS e da Cofins. Existem infindáveis alíquotas e bases de cálculo, distintos benefícios tributários e regimes especiais. Para piorar, a cobrança é cumulativa em diferentes graus, preponderantemente na origem, no caso do ICMS.
Resultado: alto custo de cumprimento das obrigações tributárias, desestímulo às exportações e aos investimentos, elevado grau de litígios, insegurança jurídica, guerra fiscal entre estados, ineficiência na economia e falta de transparência para o cidadão. Como as distorções são enormes, a eliminação do ICMS traria importante ganho de produção e emprego. Para isso, a tributação sobre o consumo precisa seguir o modelo considerado ideal, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Nele, a incidência recai apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da produção, e a cobrança se dá no destino. Uma ou poucas alíquotas incidem sobre ampla base de bens e serviços, sem benefícios tributários nem regimes especiais. Como resultado, têm-se simplicidade, transparência e neutralidade, com a eliminação das distorções apontadas.
Duas propostas de reforma tributária com o objetivo de substituir tributos sobre o consumo por um IVA têm pautado o debate: a PEC 45, em comissão especial da Câmara dos Deputados, e a PEC 110, na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, ambas deste ano.
Mudar o sistema tributário é mais difícil do que mudar a Previdência. São várias questões delicadas. Vale destacar três desafios. O primeiro está na troca de tributos. Quantos tributos substituir? Como preservar as receitas? Em quanto tempo? Como tratar os benefícios relativos aos tributos substituídos?
O segundo desafio é o federativo. Escolher um ou dois IVAs? Se forem dois, serão criados ao mesmo tempo? Sendo um, como evitar a perda de autonomia dos entes? Qual a atribuição de cada um? E, principalmente, como partilhar?
O terceiro desafio é a vinculação a determinadas ações públicas. Os setores contemplados receiam perder receitas. Nessa questão, abre-se a oportunidade para flexibilizar a alocação dos recursos, mas não sem resistência dos prejudicados.
As duas propostas indicadas enfrentam desafios de modos diversos na arquitetura do IVA, abrangência dos tributos substituídos, prazos de transição e tratamento das vinculações. Isso não impossibilita o consenso.
A proposta do governo federal será apresentada a qualquer momento. Poderá substituir seus tributos sobre o consumo por um IVA federal e tornar o Imposto de Renda mais equitativo. Cogita-se criar um polêmico tributo sobre transações financeiras para substituir a contribuição previdenciária do empregador. Sua presença não é usual em outros países. Muitos economistas entendem que prejudica seriamente o funcionamento da economia.
O debate sobre a reforma tributária se intensificará daqui por diante, e as três propostas estarão no foco das atenções. O país precisa superar suas diferenças e enfrentar com sucesso as enormes distorções do nosso sistema tributário. A IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado Federal, dará a sua contribuição.
Felipe Salto é diretor-executivo da IFI.
Josué Pellegrini é diretor da IFI.
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