Agro recuperação

Por Pedro Abel Vieira, Antônio Marcio Buainain e Elisio Contini e Roberta Grundling

Um ‘tombo histórico’, foi assim que os especialistas nominaram os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o desempenho da economia brasileira no terceiro trimestre de 2020.  O Produto Interno Bruto do Brasil (PIB) reduziu em 9,7% na comparação com os três primeiros meses de 2020. Em relação ao mesmo período do ano passado, a redução foi de 11,4%.

O PIB brasileiro pontuou negativamente pelo segundo trimestre consecutivo, o que configura recessão técnica, uma situação que não ocorria desde 2016. O PIB da indústria e dos serviços reduziram em 12,3% e 9,7%, respectivamente, no segundo trimestre de 2020 em relação ao primeiro trimestre do mesmo ano. O consumo das famílias e a Formação Bruta de Capital Fixo reduziram em 12,5% e 15,4% na mesma comparação. A taxa de poupança ficou em 15,5% do PIB, enquanto a taxa de investimento ficou em 15%.

O ‘tombo histórico’ divulgado pelo IBGE é um mal pressagio para o futuro da economia brasileira, especialmente ao considerar que a taxa de desemprego no segundo trimestre de 2020 chegou a 13,3%, atingindo 12,8 milhões de pessoas, com um fechamento de 8,9 milhões de postos de trabalho em três meses de pandemia.

Segundo os especialistas, a situação do emprego e da economia brasileira só não é pior por conta das medidas de cunho keynesiano (auxílio emergencial, suspensão e redução no contrato de trabalho e o crédito às empresas, entre outras medidas). Para alguns, essas medidas, que já produziram um rombo fiscal superior a R$ 600 bilhões, garantirão uma recuperação célere da economia, no formato de V. Para outros, a recuperação será lenta e gradual, no formato de U, e dependerá de medidas estruturantes como a reforma administrativa e as privatizações, em especial a privatização do saneamento.

Essas previsões são tão consistentes quanto as previsões climáticas das avós, pois, a economia somente assumira uma trajetória de crescimento consistente após a imunização contra a Covid 19 de parte significativa da população, quer seja pela vacinação ou qualquer outro meio.

Outras previsões, essas consistentes segundo os cânones socioeconômicos, são que as medidas keynesianas, frise-se que imprescindíveis em tempos de pandemia, terão consequências políticas e econômicas, exigindo responsabilidade e conhecimento das autoridades. No campo político, as medidas de apoio, de inquestionável vertente populista, demandarão desaceleração muito bem planejada uma vez que, tanto a perda quanto o estímulo excessivo na popularidade das autoridades responsáveis pelo país terão consequências dramáticas. No campo econômico, é certo que algum tempo após a retomada do crescimento, o mundo, inclusive o Brasil, enfrentará um ambiente inflacionário, o que levara à adoção de políticas austeras com consequências negativas para aqueles países que não estiverem preparados.

No caso do Brasil, apesar de necessárias, as medidas econômicas tomadas e discutidas no momento certamente afetam as expectativas e condicionam o desempenho no futuro imediato. Já o desempenho para além da recuperação baseada na reocupação de capacidade ociosa, é uma incógnita e depende principalmente da consistência da política econômica e das reformas anunciadas pela equipe econômica.

A exceção concreta ao ‘festival de horrores’ gestado no rastro da pandemia foi o PIB da agropecuária brasileiro, que aumentou 0,4% no segundo trimestre de 2020 e 1,2% em relação ao ano anterior. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra brasileira de grãos em 2020 já superou os 250 milhões de toneladas, aumento de 4,8% em relação à safra anterior. Com a área das culturas de primeira safra totalmente colhida e a de segunda safra em fase final de colheita, a expectativa recai sobre a terceira safra e a de inverno. Na primeira safra, as culturas ocuparam uma área próxima a 45 milhões de hectares. As lavouras de segunda e terceira safras, além das culturas de inverno, são cultivadas em 20 milhões de hectares, a maior parte realizada em áreas da primeira safra.

As previsões para a nova safra (2020/2021), iniciada em julho próximo passado, é de uma nova marca histórica, com cerca de 270 milhões de toneladas de grãos. Interessante observar que, dado a desvalorização cambial e o apetite das compras internacionais, notadamente da China, as perspectivas de rentabilidade são cerca de 20% maiores. 

Independentemente da forma da recuperação econômica, o agricultor brasileiro está fazendo a sua parte, conforme indicam as operações de crédito e as antecipações na comercialização. A comercialização antecipada da safra de soja 2020/2021 já chegou próximo a 50%, o maior nível histórico. Já as operações de crédito têm se concentrado em linhas de financiamento para investimento. Bom sinal, revela confiança no futuro e cria condições para manter o ritmo de crescimento dos últimos anos. 

O governo federal disponibilizou R$ 236,3 bilhões para apoiar a produção agropecuária, alta de 6% em relação à safra anterior. Do total programado, R$ 179,38 bilhões estão destinados para custeio, comercialização e industrialização e R$ 56,92 bilhões para investimentos. Para o seguro rural serão disponibilizados R$ 1,3 bilhão, o que possibilita a contratação de quase 300 mil apólices, segurando mais de R$ 52 bilhões em 21 milhões de hectares. Aos pequenos produtores rurais foram destinados R$ 33 bilhões pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com juros de 2,75% e 4% ao ano, para custeio e comercialização, respectivamente. Para os médios produtores rurais, o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp) destinará R$ 33 bilhões, com taxas de juros de 5% ao ano.

Em resumo, as expetativas sobre a recuperação da economia brasileira são divergentes, mas nenhuma é catastrófica. Em U ou V, a economia deve ser recuperar ao longo dos próximos meses. No plano da realidade, é a agricultura brasileira que tem condições de contribuir para evitar que o desastre da pandemia se transforme em duradoura catástrofe econômica.


Pedro Abel Vieira, Elisio Contini e Roberta Grundling são pesquisadores da Embrapa e Marcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp.

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