Por Alexander Barroso e Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
A pandemia do novo coronavírus trouxe desafios para os governos de todo o mundo, no sentido de cuidados com a saúde coletiva e adoção de medidas de proteção social, diante da restrição da atividade econômica. No Brasil, a necessidade de prover um mínimo vital para os expressivos contingentes da população, por meio do oferecimento de alimentos, serviços ou recursos, apresenta-se imperiosa, até para evitar a convulsão social.
Ocorre que o novo coronavírus nos atinge em pleno ano eleitoral, no qual há restrições para a administração pública, com o objetivo de evitar o uso político-eleitoreiro dos recursos e cargos públicos. Estas restrições estão na Lei das Inelegibilidades, que prevê a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) para os casos de abuso de poder político, econômico e no uso dos meios de comunicação social. Estão também na Lei das Eleições, ao trazer as condutas vedadas aos agentes públicos durante as campanhas eleitorais.
Como conciliar o atendimento de necessidades urgentes da população diante da imensa crise epidemiológica, com as restrições necessárias para evitar que a máquina pública se transforme em cabo eleitoral de partidos e candidatos?
Há notícia de municípios que estão distribuindo cestas básicas quase que indiscriminadamente! A própria lei traz respostas. A Lei das Eleições, ao proibir a distribuição gratuita de bens nos anos eleitorais, excepciona programas previstos em lei e já em execução orçamentária no ano anterior, bem como situações de calamidade pública e estado de emergência. Ainda que já tenha havido a decretação de estado de emergência, no âmbito federal, entendemos que tal se exige em todos os níveis da federação, previamente, a qualquer distribuição de bens.
Deve existir controle legislativo da situação de emergência, evitando que uma decisão dessa gravidade seja feita por ato exclusivo do Poder Executivo. Ocorre que, mesmo em situação de calamidade ou emergência, a distribuição de bens não pode ser feita sem critérios de transparência e padronização, ao sabor de preferências eleitorais. Se isso acontecesse, a conduta seria ilícita, a despeito da gravidade da crise. Tampouco pode ocorrer qualquer tipo de proselitismo político junto aos bens gratuitos distribuídos, pois quanto a isso há uma autônoma conduta vedada, presente no artigo 73, IV, da Lei 9.504/97.
Outras vedações têm como termo inicial 4 de julho, três meses antes das eleições. É o caso das transferências voluntárias de recursos entre a união e os estados e os estados e municípios, a não ser que relativas a contratos preexistentes e em execução orçamentária. Há ressalva de situações de emergência e de calamidade pública, que devem ser decretadas antes das transferências.
Relevante é a questão da publicidade institucional, nos três meses que antecedem o pleito, vedada nas circunscrições em disputa mesmo sem o proselitismo político. A vedação inclui campanhas informativas. A exceção relativa a situações de grave e urgente necessidade pública demanda o prévio reconhecimento pela Justiça Eleitoral. Por fim, a Lei das Eleições veda a contratação de servidores nos três meses antes do pleito e até a posse dos eleitos. Uma das exceções é a contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com a prévia e expressa autorização do chefe do poder executivo.
Nossa conclusão é a de que as leis eleitorais não oferecem embaraço para a necessária atuação do poder público nesta inédita situação de crise, desde que haja a adoção de critérios de padronização e transparência, e não se busque aproveitar o momento para o indevido proselitismo político eleitoral. Se isto ocorrer, haverá abuso de poder e condutas vedadas. A fiscalização das instâncias de controle, como o Poder Legislativo, a Justiça Eleitoral, o Ministério Público Eleitoral, bem como dos cidadãos, longe de oferecer empecilhos, proporciona a garantia de que os destinatários dos recursos serão efetivamente aqueles que deles mais necessitam.
Alexander Barroso, advogado criminalista e eleitoralista e CEO do escritório Alexander Barroso & Advogados
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, procurador regional da república e ex-procurador regional eleitoral de São Paulo
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