ENTREVISTA: “Precisamos reagir para transformar a vida dos mais de 450 mil estudantes da rede pública”

Em entrevista à Agência Brasília, secretário de Educação do DF, Rafael Parente, fala sobre os projetos inovadores que pretende implantar, a gestão compartilhada e anuncia a construção de novas escolas e creches

Por Renata Moura 
Com a proposta de humanizar a gestão das escolas públicas, o secretário de Educação, Rafael Parente, tem nas mãos a missão de conduzir a vida de 450 mil estudantes – responsabilidade que não assusta quem acumula anos de estudos e experiência. PhD em educação pela Universidade de Nova York, Rafael trabalhou como subsecretário de Educação no Rio de Janeiro e trouxe de lá para o DF experiências das quais ele participou.

Parente destaca o desenvolvimento de materiais didáticos próprios, elaborados por professores da rede pública do DF; a criação das provas bimestrais unificadas e a elaboração de atividades comuns de reforço pedagógico como seus objetivos à frente da Pasta. “Vamos trabalhar por uma política de formação continuada, que melhore a prática de professores e diretores dentro das escolas”, prevê.

Em entrevista à Agência Brasília, Rafael Parente afirmou que, entre os desafios de sua gestão, o maior será estimular os alunos a verem que a educação é o único caminho para a transformação de suas vidas.

O Distrito Federal é uma das unidades da federação com mais qualidade de vida. No entanto, nos últimos anos, experimenta índices muito ruins de avaliação da educação pública. Por que estamos nessa situação?

A educação no DF tem um potencial muito grande para o crescimento, e vamos trabalhar para melhorar isso porque temos um status socioeconômico médio muito acima das referências nacionais – e este é um dos fatores com impacto direto no processo de aprendizagem dos estudantes. O nível socioeconômico dos alunos é razoável; o salário dos profissionais da educação, se comparado com a média nacional, é muito bom. Aqui temos um bom tempo de coordenação. Os professores dão 25 horas de aula e têm três tardes de quatro horas para poder elaborar e programar suas atividades. Isso não existe em nenhum lugar do mundo! Brasília tem vantagens que só existem aqui. Então, o que falta? Acredito que seja uma política de formação continuada, que melhore a prática de professores e diretores dentro das escolas. Precisamos estimular mais os alunos para que possam ver que a educação é o único caminho para a transformação de suas vidas.

O que o senhor pretende fazer para melhorar o desempenho do ensino público no DF?

Temos as melhores e as piores escolas do Brasil. São várias redes dentro da rede de educação do DF, realidades bem distintas. Por isso, precisamos ter políticas diferentes para atender realidades diferentes. Um olhar para cada escola, para cada aluno, para cada profissional, sempre de forma particular e única. Algumas escolas que já identificamos precisam apenas de apoio financeiro e mais autonomia. Mas o diagnóstico tem de ser feito caso a caso. Temos muitos profissionais com padrão de excelência. Mas, infelizmente, também temos profissionais que precisam passar por capacitação e reciclagem. Claro que muitos deles estão desmotivados. Ninguém acorda um dia e diz: “hoje, eu quero fazer um péssimo trabalho”. Ninguém faz isso. Ou ele não consegue fazer melhor, não tem condições de trabalho; ou está desmotivado por alguma razão. Então, vamos trabalhar para identificar o que é. Pode ser um conjunto de coisas. Precisamos reagir para transformar a vida dos mais de 450 mil estudantes da rede pública. Eu estudei muito sobre as transformações educacionais pelo mundo. Temos agora alguns países como Vietnã, Letônia, República Tcheca e Portugal, em que grande parte do desenvolvimento está sendo fruto do investimento pesado na educação. Existe uma vasta literatura de pesquisas científicas mostrando o que funciona e o que não funciona na área. A equipe que temos hoje no DF é de excelência. Os melhores, a prata da casa, estão conosco envolvidos nesse projeto, todos trazendo muitas ideias e colaboração. Sinto que estão inspirados, porque estão vendo que o governador Ibaneis está focado e priorizando a educação.

Como motivar os servidores da educação?

Nossa palavra-chave para os servidores será valorização, oferecendo autonomia com responsabilidade. Queremos oferecer mais ferramentas, apostar mais em formação e, claro, verificar se os profissionais e as escolas vão ter melhores resultados. Tendo melhores resultados, mais autonomia a gente vai dar. Acho que, em breve, conseguiremos ter um plano de saúde para todos os profissionais da rede. Vamos continuar batalhando para melhorar o auxílio-alimentação e outras coisas que vêm em paralelo. Mas é obvio que temos mais legitimidade para lutar por melhorias, quando a gente entrega resultados.

Qual a proposta para mudar a realidade nessas escolas com desempenhos mais fracos?

Ao todo, contando com os centros interescolares de línguas, temos 693 escolas na rede pública. Desse total, cerca de 180 estão bem abaixo das médias, em situação bem ruim mesmo. Com essas, vamos iniciar o projeto Escolas Prioritárias, levando uma série de medidas, que vão desde a manutenção com limpeza das instalações e pequenas obras até reforço com mais professores e orientadores. Vamos recriar as provas bimestrais para toda a rede e elaborar atividades comuns de reforço pedagógico. Vamos oferecer cursos de aperfeiçoamento e atualização, eventos e novas tecnologias. Queremos lançar também o programa Educação Inovadora, com a criação de 14 hubs de inovação tecnológica. O primeiro deles vamos lançar em abril. No Rio de Janeiro, eu vi algumas dessas políticas darem certo. Estou trazendo versões melhoradas daquilo que fizemos lá. Implantamos uma escola super-inovadora dentro da Rocinha, criamos uma plataforma de aulas digitais… Então, muito do que estamos propondo aqui já foi testado e aperfeiçoado.

A secretaria já conhece as grandes dificuldades dos alunos da rede pública?

Nesta semana, estamos enviando para as escolas as avaliações diagnósticas para ver o tamanho desse gap [atraso] de aprendizagem de todos alunos da rede. Estamos enviando provas de português e matemática e também vamos mandar os cadernos de revisão com os conteúdos mais difíceis do ano anterior. Para um aluno do oitavo ano, por exemplo, vamos entregar um caderno com o conteúdo mais crítico do sétimo ano, para que ele relembre o conteúdo antes da prova. Precisamos identificar os problemas de aprendizagem de cada um. A ideia é que os professores apliquem as provas e repassem as notas apuradas pelo sistema. Em abril, a gente também vai enviar todo o material didático, que será confeccionado pelos nossos professores.

E o cartão material escolar? Quando as famílias de baixa renda poderão ter acesso ao benefício?

Nos próximos dias, sai uma portaria conjunta com a Secretaria de Desenvolvimento Social regulamentando a Lei do Cartão Material Escolar. Em seguida, vamos fechar o contrato com o BRB para confecção dos cartões de débito. Em março, faremos o cadastramento das papelarias e, logo, no início de abril, estaremos entregando os cartões. É importante destacar que será um cartão por família e será entregue na escola do aluno mais novo. Todos os valores referentes aos filhos daquela família irão para um mesmo cartão. Serão R$ 320 para alunos do ensino fundamental e R$ 240 para os do ensino médio. Estamos estimando que 41 mil famílias serão beneficiadas, com cerca de 69 mil alunos.

Uma grande dificuldade hoje nas escolas do DF é a superlotação das salas de aulas. Como a secretaria está administrando isto?

São mais de 450 mil alunos para serem atendidos em cerca de 700 escolas. Só este ano foram 11 mil novos alunos que ingressaram na rede. Estamos acabando com salas de vídeo, salas de leitura, procurando espaços para criar nova salas de aulas para poder atender a todos. No Paranoá, Mangueiral, Estrutural, Sol Nascente, a situação ainda é pior. Todas têm uma carência absurda de escola. No Plano Piloto, não temos tanto problema, porque aqui o drama são as escolas esvaziadas. No Gisno, por exemplo, você tem turmas vazias e aluno só no turno matutino. Mas a gente não pode continuar trazendo alunos das outras regiões para o Plano Piloto. A gente gasta R$ 1 milhão por mês, só com transporte de alunos do Paranoá, e mais R$1,1 milhão com os alunos de São Sebastião – sem contar que para os alunos é muito cansativo. A gente poderia pegar esse dinheiro e construir escolas mais próximas nas cidades onde esses meninos moram. E é isso que estamos planejando. Hoje, trabalhamos de forma emergencial, enfrentando os maiores para os menores problemas.

Existe orçamento e previsão de entrega de novas escolas?

Sim. Veja o caso do Sol Nascente. Lá são 100 mil habitantes e apenas uma escola e uma creche. Por isso, queremos construir lá pelo menos mais uma escola. Outras três cidades também já estão contempladas no nosso orçamento. Este ano, vamos inaugurar uma escola no Paranoá e iniciar as obras de pelo menos duas escolas profissionalizantes, na Estrutural e no Mangueiral. Também queremos iniciar obras de cinco escolas de ensino médio e anos finais [sexto ao nono ano).

 E as creches? Quando a população poderá contar com a inauguração de novas unidades?

Vamos buscar apoio dos parlamentares para liberarem emendas para construção de mais creches. A promessa de governos passados era de construção de 108 creches. Passados todos esses anos, o número de unidades concluídas não chegou nem a 50. Até o fim deste ano, queremos inaugurar pelo menos mais sei – duas delas em Samambaia, já com obras concluídas. Nós já estamos comprando os mobiliários para a inauguração. O dinheiro do FNDES [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] está parado, o que dificulta muito. Não estão fazendo o repasse. Para se ter uma ideia, os livros didáticos estão atrasados. Esse é um outro motivo para termos nosso material próprio, elaborado pela nossa rede.

Por que o governo optou por experimentar a gestão compartilhada da educação pública?

Para que possamos realmente melhorar a educação no DF, precisamos ter professores e alunos motivados, ambiência escolar – aqui estamos falando de organização, limpeza, infraestrutura, respeito, de gostar de frequentar aquele ambiente. Gestão compartilhada ou não, existe uma ordem, uma organização, uma disciplina, respeito no relacionamento entre as pessoas, coisas básicas, ou que pelo menos, deveriam ser básicas, dentro de todas as escolas. Mas na verdade, hoje, um bom número de escolas não consegue criar esse ambiente. É um cenário real em função de um conjunto de fatores, inclusive, relacionados à família, que não faz a sua parte, mantendo-se ausente do processo de aprendizagem dos alunos. Então, quando temos escolas que os alunos são indisciplinados, com um grande número de casos de professores sendo ameaçados, aumento da violência com brigas e drogas, tem de se fazer algo. Muitos profissionais da educação estão adoecendo com isto. A escola está doente. Falta um lugar inspirador e acolhedor. Então, a gestão compartilhada vem para nos auxiliar a retomar esse ambiente, fazendo com que as coisas entrem nos trilhos. E essa minoria, que dava muito problema nas escolas, entenda que há regras e elas precisam ser cumpridas para o bem de todos. Nossa grande missão é fazer com que isto aconteça sem a necessidade da gestão compartilhada e em todas as escolas da rede.

Como o senhor avalia as duas primeiras semanas de gestão compartilhada nas quatro escolas da rede que vivem essa experiência?

É tudo muito novo. Não temos como avaliar resultados efetivos ainda. Mas o retorno da comunidade escolar é excelente. Só recebemos elogios. Então, nossa avaliação é muito positiva. Quem vai nas escolas e conversa com as pessoas, é quase impossível ficar contra o projeto. Estamos investindo pesado nesse projeto. São mais 20 novos profissionais e R$ 200 mil por ano para cada escola. Poderão investir em infraestrutura, material pedagógico, tecnologias. Ainda estamos alinhando com os policiais militares algumas questões. Mas o fato é que o modelo de gestão é encantador. Muito emocionante ir até essas escolas hoje e ver como as pessoas estão felizes e aliviadas.

A expectativa da população é muito grande em relação à gestão compartilhada, principalmente porque o desempenho dos colégios militares está bem acima dos outros. O segredo deles é a disciplina?

Ainda não temos resultados em números para fazer qualquer comparativo. A gente está sempre em contato com os diretores para fazer um acompanhamento bem de perto. É claro que a disciplina e a organização influenciam no tempo das aulas e no desempenho dos professores, e consequentemente, a gente acredita que os alunos vão melhorar também o desempenho deles. Mas as pessoas precisam entender que não é militarização das escolas. Elas seguem o mesmo conteúdo programático de toda a rede pública. A linha pedagógica é a mesma de outra escola pública.

E as escolas que não tiveram a oportunidade de receber a gestão compartilhada, o que será feito para melhorar o desempenho dos estudantes?

Vamos convocar agora 468 orientadores pedagógicos. Cada escola terá um orientador, isto nunca aconteceu na história da educação pública do Distrito Federal. Nós entendemos que esse é um profissional indispensável e faz um trabalho de acompanhamento do processo de aprendizagem, de disciplina e também de aproximação com as famílias. Vamos aumentar o número de aulas de língua portuguesa e matemática e entrar com novas estratégias de recursos escolares. Teremos um material didático da própria rede, elaborado por nossos professores. Vamos aplicar provas bimestrais, em algumas matérias, para diferentes séries, mas com mesmo conteúdo, para seguir avaliando a qualidade de nossos alunos e assim ajustar o que for necessário. Vamos lançar 14 hubs de inovação tecnológica, em parceria com a Apple e a Fundação Telefônica. O primeiro deles será apresentado à comunidade em abril.

Seja o primeiro a comentar on "ENTREVISTA: “Precisamos reagir para transformar a vida dos mais de 450 mil estudantes da rede pública”"

Faça um Comentário

Seu endereço de email não será mostrado.


*