Por Ronaldo Caiado
A voracidade fiscal da União não tem limites. Além de impor ao contribuinte uma das cargas tributárias mais pesadas do planeta, sem a contrapartida de serviços que a justifiquem, não hesita em usurpá-la dos Estados e municípios, ainda que, para tanto, atropele cláusula pétrea da Constituição.
É o caso da proposta de emenda constitucional 96/2015, em exame na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, que delega à União a cobrança de imposto adicional sobre grandes heranças e doações.
Não questiono (embora questionável) o mérito da matéria, que cria mais um tributo. Atenho-me a outro ponto: o desprezo ao princípio federativo, cláusula pétrea constitucional (inciso I, parágrafo 4º, artigo 60).
Dentro desse princípio, o artigo 151, inciso I, atribui aos Estados e ao Distrito Federal —e tão somente a eles— a prerrogativa de criar impostos sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos. A PEC, de maneira nada sutil, viola essa exclusividade ao permitir que a União estabeleça a progressividade dessas alíquotas e se aproprie da receita.
Ora, a Constituição é clara: se houver aumento da carga tributária sobre heranças e doações, o recurso pertence aos Estados —e não à União. O aumento da alíquota máxima, dos atuais 8% para 20%, é pleito antigo dos Estados, já manifestado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária.
Eis que a União, por meio dessa PEC, se apossa dessa bandeira, alegando que sua ingerência, elevando a alíquota máxima a 27,5%, não exclui o direito de os Estados também o fazerem. É uma alegação enganosa: se ambas as instâncias assim o fizerem, a tributação sobre heranças resultará em confisco puro e simples.
Estamos enfrentando um avanço arrecadatório dos cofres federais sobre a riqueza dos cidadãos e das empresas, sem que o produto gerado tenha sido repartido com Estados e municípios.
O nome disso é concentração de poder. A PEC destina esses recursos ao FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), deixando nas mãos do governo federal o comando e o destino de recursos que deveriam se manter na esfera estadual.
É absolutamente injusto que a superação das desigualdades regionais, que a União não consegue resolver, seja patrocinado pela tomada de parcela da base tributável que cabe aos Estados. E não é só: implica ainda bitributação, impedindo que se identifique a alíquota efetiva, dada a incidência de duas exações diferentes, provenientes de dois entes distintos, sobre o mesmo fator gerador –heranças e doações–, sem que uma carga tributária possa sequer ser deduzida da outra.
Além de prejudicar o já frágil equilíbrio federativo, é imposto ruim do ponto de vista econômico. Nada menos que 13 países —emergentes como a Rússia e a Eslováquia; ricos, como Áustria, Hong Kong e Cingapura; e adeptos do “welfare state”, como Suécia e Noruega— já o eliminaram desde o início deste milênio. Mesmo os EUA, que o aplicam em alíquotas de até 40%, vêm aumentando as faixas de isenção.
O ponto central, no entanto, é o que isso representa na redução da autonomia financeira dos Estados, carentes de fontes de financiamento de suas dívidas. Os governadores continuarão, sempre e cada vez mais, protagonizando o caricato papel de mendigos de gravata, a esmolar recursos na Esplanada.
É um governo central absoluto, cercado de corporações, indiferente a quem delas não faça parte. Democracia e federalismo são coisas bem diferentes. O Senado não pode compactuar com mais esse golpe ao pacto federativo.
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