Foram três horas de “delírio ambulatório” entre o bairro de Benfica, na zona norte, e o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, na região central do Rio. A pé, artistas do Coletivo Norte Comum registraram em vídeo e em fotografias as contradições da cidade que passam despercebidas no corre-corre do dia a dia. São imagens de pontos de ônibus lotados às 6h, pichações problematizadoras e achados no lixo. O resultado pode ser visto desde ontem (4) até 23 de julho na nona edição do Foto Rio–Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro.
Produzido por 20 artistas que fizeram juntos o percurso, em uma manhã nublada, o trabalho do Norte Comum é um dos destaques da mostra Delírio Coletivos. A curadora, Julieta Roitaman que chamou também o Coletivo Gráfico, Miúda e Pandilla, disse que a ideia era desafiar os artistas a colocarem em prática o método que o artista visual Hélio Oiticica batizou de “delírio ambulatório”, na década de 1960, que consistia em circular pelas ruas com o olhar atento.
“Como foi um trabalho colaborativo, falando de cidade, das ruas, os coletivos não tiveram como não olhar para o momento em que a cidade está sendo ocupada e apropriada para reivindicações políticas e aí, cada um, trouxe seus questionamentos”, explicou.
A artista visual Safira Moreira disse que o Norte Comum resolveu acompanhar o fluxo que milhares de pessoas fazem todos os dias, entre a casa e o trabalho, mas sob outra perspectiva. “Saímos às 5h40, a pé, e pegamos a cidade acordando, esse Rio que acaba desaguando no centro”, disse. “A ideia era acompanhar as pessoas nesses percursos, que só se faz de carro ou de ônibus, mas observando as ruas”, acrescentou o compositor Roberto Barrucho. “A gente vem para cá, a gente não parte daqui. Quem mora no centro é muito pouco”, disse Barrucho, que também é funcionário da Empresa Brasil de Comunicação e faz parte do coletivo desde 2011.
Paralelamente às novas experiências na arte, o Foto Rio 2016 também apresenta no Hélio Oiticica uma das mais emblemáticas experiências do artista plástico Carlos Vergara na fotografia – arte da qual foi precursor das “potencialidade criativas”. Estão lá imagens do tradicional bloco de carnaval Cacique de Ramos, que ele documentou na década de 1970, e a célebre foto de jovens negros com a palavra “poder” escrita em branco no peito. O carnaval de rua, no centro do Rio, na visão do artista, se contrapunha às imagens de um dos mais importantes centro comerciais do país.
O realizador e coordenador da Foto Rio 2016, o fotógrafo e antropólogo Milton Guran, disse que as mostram casam diferentes formas de experimentar a fotografia. “Temos aqui uma mão no cravo e outra na ferradura. Uma é a exposição da maior importância das artes plásticas, que é a trajetória do artista plástico Caros Vergara, pioneiro, como artista plástico, na utilização da fotografia como uma linguagem direta, de expressão, ou como um instrumento auxiliar de expressão no campo erudito, e na outra ponta, temos os coletivos que também partiram de uma ideia de perambulação, uma proposta do Hélio Oiticica para buscar a transcendência”, explicou.
Até 23 de julho, elas podem ser vistas na exposição que contará com 44 mostras variadas e seminários em 13 centros culturais da capital fluminense. A programação tem ainda palestras sobre criação colaborativa e encontros entre projetos que utilizam a fotografia como ferramenta de inclusão, além de leitura de portfólios de fotógrafos.
Em agosto, a programação segue com uma mostra do fotógrafo Luiz Baltar, que ganhou em abril o principal prêmio de arte da Fundação Conrado Wessel, cujo tema era Brasil: Terra em Transe. Neste mês também poderá ser visitada uma instalação que parte de memórias e objetos de 29 sobreviventes do holocausto e que chegaram ao Brasil no contexto da 2ª Guerra Mundial. A obra será montada no Solar Grandjean de Montigny, na Gávea, zona sul.
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